Marly revela um pátio que vive em nós

Raimundo Carrero
Escritor e jornalista

Publicado em: 25/03/2019 03:00 Atualizado em: 25/03/2019 08:38

Depois de uma série de artigos sobre Lima Barreto e sua luta revolucionária contra as injustiças brasileiras, na maioria das vezes atingindo fortemente afrodescendentes, pobres e negros, dedico-me um pouco à vida pitoresca das gentes do nosso pais, comentando as crônicas de Pátio da Matriz, de Marly Mota, sim, a mesma Marly Mota que  sempre nos enriqueceu com sua pintura encantadora, lírica, regional.

Um livro, sem dúvida, bem escrito, a revelar o espírito provinciano de personagens como Maria Borges e o seu séquito de mulheres em expectativa de vida, mas sem aquela angústia que move e definha as nossas contemporâneas atacadas por todo tipo de dores e de ansiedades provocadas por um capitalismo gigantesco que, em muitos casos, mais mata do que faz viver.

Tenho, de minha parte, alguma familiaridade com a vida provinciana e com estes domingos lerdos, lentos, silenciosos com uma luminosidade fantásticas  a revelar um tanto de expectativa ansiosa nos cantos da sala e nas roupas de festa, resvalando para a cumplicidade das horas e dos encontros no Pátio da Matriz.

Sim, também tenho o meu Pátio da Matriz que encontro ali em Salgueiro, onde nasci e me criei até a juventude quando larguei tudo para encontrar a angústia do Recife, ainda com seus pátios, igrejas e quermesses, mas tudo em grande modificação.  

Assim é que me vejo no livro de Marly, encantado com a atmosfera , na minha infância, caminhando entre os noiteiros, tocando requinta na Banda Paroquial, esperando meu guaraná na fila do bar. Ou contrariando minha família com uma cerveja gelada na barraca da feira.  

Sou também um desses personagens que se debruça na janela para observar os matutos compenetrados na Missa campal, despertando meu olhar para Bezinha, Marcolina, Ernestina, Maria Borges, personagens de Marly, que conheci com outros nomes e com outras personalidades, cascavilhando vidas íntimas e boatos que correm nas calçadas. Trazem notícias de namoros recentes, beijos roubados, delírios de amor que nós aqui não conhecemos mais.

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