A arte das cavernas

Plínio Palhano
Artista plástico

Publicado em: 22/03/2019 03:00 Atualizado em: 22/03/2019 16:01

O artista no período paleolítico era um caçador. Quando pintava o objeto da caça nas cavernas, ele não fazia distinção entre aquela representação e o animal que seria atingido pelas suas ferramentas e habilidades. A imitação pictórica tinha vida própria como se fosse a natureza: acreditava que era uma espécie de armadilha que antecedia a caça. Não eram dois mundos, era um só. Uma visão monista da realidade. Não existia nenhuma transcendência. Nenhuma preocupação fora da vida, do meio ambiente, da sobrevivência imediata. As pinturas desses animais tinham uma fidelidade com os finalmente caçados. Por isso, esse período foi considerado como naturalista, ou impressionista. A pintura era produto do que via, e ele, o artista, conhecia bastante as suas presas, representava-as com todos os detalhes necessários para o trabalho de captura. Era a magia que imperava. Também esse período é reconhecido como o da magia. Representava os animais atingidos por dardos e flechas e julgava-os fatalmente mortos por este fato.

Não havia nenhuma preocupação estética, não era um deleite, e sim uma estratégia presente no dia a dia. Segundo os especialistas, o fato de as pinturas serem realizadas nas cavernas demonstrava que eram para uma prática mágica, e não de caráter estético. Mesmo assim, o artista paleolítico deixou um patrimônio de beleza que encanta todos os estudiosos que se debruçam nessas pinturas. Muitos destes levantam a questão intrigante de que, por ser uma pintura enriquecida pela vida, é curiosamente difícil de acreditar que foram realizadas pelo homem primitivo. Mas a ciência arqueológica e outras a cada dia desenvolvem pesquisas e teorias que aproximam o entendimento daquele mundo ao atual. Só de se pensar que muitas dessas pinturas rupestres se mantêm com aspectos ainda vívidos já é um assunto para a ciência decifrar.

Com a lenta e grande transformação desse período paleolítico — quando os seus agentes eram nômades e viviam exclusivamente da caça e da coleta de frutos, enfim, da natureza de forma parasitária, para a idade neolítica, o Homem passa a desenvolver uma cultura baseada na produção do próprio alimento, com atividades agrícolas, pecuária, divisão de atividades entre os sexos, desenvolvendo então uma visão mais transcendente da vida, na qual aparece a crença no sobrenatural, na dualidade do corpo e espírito e na força dos deuses, que interferem no mundo dos vivos, um mergulho no animismo. E, como consequência, as pinturas rupestres são influenciadas por essa concepção de vida. A arte inicia um processo mais intelectualizado, racional, abstrato e geométrico, simplificando as representações dos seres como símbolos pictográficos. Mas, na fase intermediária, ainda no final do paleolítico, apareceu uma tendência mais expressionista que impressionista, que foram as representações exageradas dos animais, prolongando os seus membros para ressaltar o aspecto do movimento dessas figuras.

Couberam ao século 20 — coincidentemente o mais preparado quanto à tecnologia e ciência para estudos e pesquisas sobre tão empolgante tema — as descobertas das cavernas do paleolítico e neolítico, principalmente na Europa (na Espanha, em Altamira, El Castilho; e na França em Lascaux, Chauvet e Montighac), que são as que mais se destacam. Esse patrimônio mundial ainda motiva artistas a fazer um paralelo com a arte primitiva dos nossos ancestrais. A matéria que esta apresenta é de uma força que permanece em nosso inconsciente como algo revolucionário, é fonte e alimento para as várias artes do nosso tempo. Um exemplo disso é o documentário do cineasta alemão Werner Herzog sobre as Cavernas de Chauvet, com o título “A caverna dos nossos sonhos” (2010), que é uma obra notável para conhecer as pinturas mais antigas realizadas pelo Homem há 30 mil anos...

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