Desejo de um tempo anterior

Fernando Araújo
Advogado, professor, mestre e doutor em Direito. É membro efetivo da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas - APLJ.

Publicado em: 21/03/2019 03:00 Atualizado em:

Amável leitor (a), você já viveu um tempo e pediu para que ele não acabasse? Nietzsche recomenda que vivamos de tal maneira esses momentos de modo a desejar a sua eternidade. Mas há quem diga que o tempo vivido não se repete, como Heráclito: “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”. E quem assevere, a exemplo de Santo Agostinho, que o tempo nas suas três dimensões só existe para o homem. Não existiria passado, nem presente, nem futuro. “Só você, Deus, pode falar da temporalidade”. Segundo ele, para existir, passado, presente ou futuro precisa ser presentificado. Em outras palavras, deve deixar de existir para existir. Mas deixemos de lado a busca de explicações filosóficas sobre o tempo e pensemos nele como realidade humana, fazendo de logo uma indagação: é possível se ter saudade de um tempo sem nele ter vivido? Ou seja, a saudade como fruto da razão e não da experiência vivida? Respondo positivamente. Passei uns dias relendo sobre “La Belle Époque” e uma nostalgia me invadiu o peito. Como se eu tivesse efetivamente vivido aqueles 30 anos do processo civilizatório. Sem dúvida, se não o mais fértil e próspero, outro não o superou. Pode ter havido igualdade, mas não superação. De fato, do final do século 19 até o início do ano 1914, início do século 20, antes de ser deflagrada a famigerada primeira guerra mundial foram anos de um dinamismo extraordinário, quer no plano das ciências, das letras e das artes. É o tempo de Pierre e Marie Curie, ganhadores do Nobel de 1903 com suas descobertas sobre polonium et radium. Aliás, Marie foi a primeira mulher a ensinar na Sorbonne. Louis Pasteur deu sua contribuição com a vacina contra a raiva. Peugeot, Renault e Michelin inventam o automóvel e as corridas automobilísticas. Em 1895 os irmãos Louis e Auguste Lumière inventam o cinema. A França começa a protagonizar grandes transformações no mundo. No terreno da pintura, artistas criam novas escolas, entre 1860 e 1880. Impressionismo, expressionismo, neoimpressionismo, simbolismo, cubismo, futurismo, arte abstrata, além de outros estilos. As ruas se enchem para conhecer as obras de Monet, Cézane, Pissarro, Degas, Manet. Toulouse-Lautrec invade os cabarets expondo em suas paredes. Na escultura, Auguste Rodin revoluciona. Nos cabarets de Montmartre(le Chat Noir) também se podia ouvir Claude Debussy, Maurice Ravel, Igor Stravinski e Gabriel Fauré. A casa de Émile Zola vira ponto de encontro de antigos e jovens escritores para ouvirem sobre o seu naturalismo. Em outros pontos de Paris se podia ouvir e falar com Verlaine, Rimbaut, Apollinaire e Mallarmé. E mais: Paul Cloudel, André Gide, Romain Rolland, Marcel Proust, Paul Valéry, Charles Péguy. A arquitetura da época nos legou a Estação d´Orsay, a Estação de Lyon, a Ponte Alexandre III, a Galeria Lafayette, o Grand-Palais, a igreja de Sacré-Coeur, o Louvre. Não podemos esquecer a Tour Eiffel, inaugurada em 1889 para comemorar o centenário da Revolução Francesa. A velha cidade luz se enche de cafés. Em 1900 eles chegaram ao número de 27000, entre os quais alguns bem famosos, como le Café de Flore, le Fouquet`s. Neles os intelectuais e artistas se reuniam com frequência. E os teatros? Ah! Os teatros eram uma tentação. As comédias. Os dramas. As tragédias. Nas casas de espetáculos pontificavam Victorien Sardou, Edmond Rostand, Sarah Bernhardt, dentre outros. Os bales, os circos, as grandes exposições, os desfiles. O bom vinho. A guerra paralisou tudo e nunca mais o Ocidente foi o mesmo. Acabou o nosso sonho de vida boa. Que pena! 

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