Faz falta um pouco de temperança

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford
twitter: @RandsMauricio

Publicado em: 18/03/2019 03:00 Atualizado em: 18/03/2019 08:58

As redes sociais andam exasperadas. Mas não somente elas. Autoridades as mais altas, de quem se espera o exemplo do equilíbrio e da temperança, seguem a trilha. A começar pelo ministro Gilmar Mendes, um dos decanos do STF. Referindo-se aos procuradores do Ministério Público Federal que atuam na Lava-Jato, sacou os qualificativos, ‘gentalha’, ‘gangster’, ‘cretinos’, ‘covardes’, ‘desqualificados, ‘falsos heróis’, a quem julga não ter condições de integrar o Ministério Público. Referia-se aos procuradores Deltan Dallagnol e outros da Lava-Jato, que pretendiam criar uma fundação com os R$ 2,5 bi da multa paga pela Petrobrás aos seus acionistas nas bolsas americanas.  O ministro acusou os procuradores de  tentar criar uma fundação com objetivos eleitorais. ‘Sabe-se lá o que estarão fazendo com esse dinheiro’. Para ele, assim, ‘o combate à corrupção seria lucrativo’.

Sua indignação pode ter mais motivos do que os proclamados. Sabe-se lá. Claro que não fica bem para um ministro do STF referir-se a membros do MPF nesses termos. Isso alimenta o ódio disseminado na internet por pessoas que pensam que a divergência de ideias e interesses só se pode expressar nesse nível de exasperação. O mal exemplo, mais uma vez, vem de cima. Mas também não custa examinar o mérito da controvérsia. O sucesso midiático pode estar inebriando alguns membros do MP. Talvez alimentando pretensões políticas, como parece ser o caso de Moro. Legítimas para qualquer cidadão, desde que não utilizem indevidamente os cargos que ocupam em outras esferas. A tentativa de criar e gerir uma fundação com orçamento de R$ 2,5 bi (US$ 682.526.000.00) é desses abusos que precisam ser coibidos. Por isso, a chefe do MPF, a procuradora Raquel Dodge, não hesitou em propor ação contra a pretensão dos seus subordinados de substituir os órgãos da União a quem cabe definir a destinação dos recursos públicos. O ministro Alexandre Morais deferiu o bloqueio da estranha iniciativa. Para ele, o próprio acordo da Petrobrás com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos referia-se a ‘Brazil’ e ‘Brazilian authorities’. Lógico que às autoridades que falam pela pessoa jurídica de direito público União Federal. Cuja definição sobre os recursos cabe aos chefes dos poderes eleitos pelo soberano, o povo. O acordo não fez, nem poderia, a escolha de tutores do dinheiro público. O orçamento federal tem que ser aprovado pelo Poder Legislativo. A Lava-Jato está prestando importante contribuição à causa do combate à corrupção. Já prendeu várias políticos e empresários, de todos os partidos e setores. Mas, porque alguém tem uma causa justa, isso não significa que são justos todos os seus passos. E que são corretos todos os métodos para atingi-la. Por isso, a civilização evoluiu para criar princípios e procedimentos que asseguram o contraditório, o direito de defesa e o devido processo legal.

Ao invés de ficarem atirando pedras uns nos outros, ou tentando manobras espertas para gerir o dinheiro público, esses senhores talvez devessem se preocupar mais com a eficiência de suas instituições. Com a entrega dos serviços de administração de justiça, sua função constitucional. A isso, infelizmente, não parecem estar dando prioridade. Ao contrário dos americanos. Lá as instituições estão conseguindo que os acionistas das bolsas sejam indenizados pela corrupção de uma empresa cujas ações adquiriram no pressuposto da boa governança. Enquanto a exasperação das nossas autoridades segue alimentando as redes sociais, os acionistas da bolsa brasileira, titulares das ações PETR3 e PETR4, não recebem qualquer indenização. Um pouco de temperança, respeito aos rituais da democracia e aos procedimentos constitucionais não nos faria mal. Ganharia a sociedade, que anseia pelo melhor funcionamento dos poderes da república.

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