Editorial Um país em convulsão

Publicado em: 14/03/2019 03:00 Atualizado em: 14/03/2019 10:03

Éinadmissível que integrantes do governo e um grupo de parlamentares com interesses bem específicos usem o massacre na escola Raul Brasil, em Suzano (SP), para defender não só a posse, mas também o porte de armas. Como se a razão pelo assassinato de 8 pessoas por dois jovens fosse o desarmamento. Seria de bom tom que esses senhores que pregam o armamento da população ficassem calados, pelo menos em respeito às vítimas e ao sofrimento das famílias que perderam entes queridos. Armar a população não resolverá o problema da violência que está disseminada pelo país. Muito pelo contrário.

Os defensores da posse e do porte de armas alimentam o discurso de que, armados, os cidadãos estão mais protegidos. É um engodo. Estudo publicado pela conceituada Universidade de Colúmbia, de Nova York, Estados Unidos, um dia antes do massacre de Suzano, mostra que os estados norte-americanos com leis de acesso a armas mais permissivas e com índice maior de cidadãos armados são, também, os que registram mais ataques a tiros.

Na pesquisa, publicada na revista especializada British Medicial Journal, os cientistas analisaram as legislações de 50 estados dos EUA e deram notas que vão de zero (restrição total ao acesso a armas) a 100 (permissão completa para adquirir artefatos de fogo). Depois, eles cruzaram esses dados com os episódios de ataques em massa ocorridos no país. Conclusão: restringir o acesso a armas pode ajudar a prevenir crimes como o que ocorreu ontem no interior de São Paulo. Portanto, antes de se defender a liberalização para o uso de armas, é preciso entender o que se passa no Brasil. Por que tanta violência?

Está claro que o Brasil vive uma epidemia de assassinatos — são mais de 60 mil por ano. E isso não tem nada a ver com o fato de os jovens estarem assistindo mais videogames. A raiz do quadro alarmante de violência está na desestruturação da sociedade. O Estado não se preocupou em dar suporte às famílias, sobretudo por meio de uma educação de qualidade. Não preparou as escolas para lidar com as fragilidades emocionais dos estudantes. Pior, se ausentou de áreas carentes, onde o crime organizado e as milícias tomaram conta do terreno e cooptaram jovens carentes, que não estudam nem trabalham — um em cada quatro jovens está desempregado.

Todos, sem exceção, têm sua parcela de culpa pelas 10 mortes no massacre de Suzano e em todos os episódios semelhantes que assombraram o país. Nos últimos anos, o grosso da sociedade passou a aceitar e a estimular a cultura da violência. Tal comportamento, por sinal, jogou por terra o discurso de que os brasileiros são pacíficos. Não são — nem nunca foram. Um país onde se mata mais do que nações em guerra jamais pode ser classificado como um local tranquilo.

Enfim, a pergunta é: quantos mais casos como o de Suzano terão de acontecer para que o país tome medidas concretas para reverter a violência que não perdoa ninguém? Não há solução única para os problemas. Talvez possamos começar pela reflexão de cada um de nós, por ouvir mais os que nos cercam, ficar atentos aos sinais que são emitidos e repudiar o ódio que se dissemina. Juventude traduz o futuro e a esperança. Mas, infelizmente, estamos enterrando o futuro e a esperança com os jovens cujas vidas estão sendo interrompidas de forma tão estúpida.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.