Por escolas que promovam direitos, não injustiças e ódios

Alessandra Nilo
Coordenadora geral da ONG Gestos e cofacilitadora nacional do GT da Sociedade Civil para a Agenda 2030

Publicado em: 13/03/2019 03:00 Atualizado em: 13/03/2019 09:10

Levou tempo, mas finalmente, agora, todas as evidências mostram: sem igualdade de direitos entre homens e mulheres, jamais haverá uma sociedade justa e economicamente sustentável. O debate sobre uma ideologia que nunca existiu, a “ideologia de gênero”, é na verdade um falso debate, imposto por ideias atrasadas e conservadoras daqueles que hoje ocupam os mais altos cargos do país e alegam que defender direitos das mulheres é perigoso para a sociedade. Na prática, o que parlamentares e gestores/as fundamentalistas nos mostram é que, na contramão da história, eles defendem o machismo e, portanto, deveriam ser responsabilizados pelos inúmeros tipos de violências sofridas pelas mulheres e pelas pessoas LGBTI+.

A proibição dos debates sobre “gênero” ou “orientação sexual” em sala de aula, como querem essas pessoas, irá comprometer o cumprimento da Agenda 2030 no país, em especial o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5, que busca a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas. Segundo o Banco Mundial, em termos globais o custo da desigualdade entre gêneros, em 2017, foi de US$ 160 trilhões. Portanto, a opção política que o governo do Brasil faz em continuar um país de “ideologia machista” é grave, muito grave e tem efeitos concretos, especialmente na área da educação, que deveria ser espaço qualificado para desconstruir nosso conjunto de valores e crenças assassinas: machismo mata. Machismos matam. Machistas matam.

E é bom se preparar porque a falsa narrativa contra gênero deve ressurgir com força agora, passado o carnaval. Em fevereiro, um novo projeto de lei (nº 246/2019) foi apresentado pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) que permite aos estudantes gravarem as aulas e proíbe a realização de atividades político-partidárias pelos grêmios estudantis. Algumas entidades, como o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), já avaliam que o novo projeto chega a ser pior do que o anterior. E a sociedade civil organizada e progressista precisa continuar mobilizada, mais que nunca.

Foi isso que fez com que o projeto de lei nº 7180/2014 (que tinha outros 14 projetos correlatos apensados) fosse arquivado ao final de 2018. O texto proibia os professores de promoverem suas opiniões e o ensino da “ideologia de gênero”, do termo “gênero” ou “orientação sexual”, uma forma de perseguir e criminalizar educadores e podendo inviabilizar, até, o ensino de conteúdos de biologia e de português.

Em todo o país, mais de 90 projetos foram apresentados em câmaras municipais e assembleias legislativas com o tema Escola sem Partido. Em Pernambuco, o projeto de lei nº 923/2016, apresentado pelo deputado estadual Cleiton Collins (PP), também foi arquivado em dezembro de 2018. O projeto proibia a divulgação de correntes políticas, ideológicas e religiosas dentro do ambiente escolar como forma de impedir a “doutrinação”, submetendo professores a possíveis multas que variavam de R$ 5 mil a R$ 10 mil.

Vamos precisar de todo mundo se quisermos manter a educação livre de mordaças. A sociedade civil organizada precisa ser apoiada e fortalecida pois, apesar dos avanços recentes, os desafios são imensos: continuamos recebendo menos que os homens no mercado de trabalho, mesmo exercendo a mesma função; seguimos sub-representadas na política e vivemos em um país com o quinto maior número de feminicídios do mundo e onde e a violência contra a mulher é uma epidemia que avança alimentada por gestores públicos e parlamentares que deveriam, na verdade, nos defender.

Igualdade de gênero não é um palavrão, é uma necessidade, uma exigência do mundo atual, que evolui. Igualdade de gênero é dizer que homens e mulheres devem ter os mesmos direitos e deveres e é a precondição básica para o desenvolvimento sustentável, pois ela reforça a resiliência e impulsiona o crescimento econômico. Na sua essência, a igualdade entre gêneros é o alicerce para construirmos uma sociedade mais justa, saudável (e, por consequência mais feliz), livre de preconceitos e discriminações que só atrapalham, limitam e entristecem a vida de milhões de pessoas.

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