O buraco é mais embaixo

Meraldo Zisman
Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros

Publicado em: 12/03/2019 03:00 Atualizado em: 12/03/2019 09:02

Quando escrevi recentemente a crônica Acidentes com armas de fogo, vários conhecidos e amigos protestaram dizendo que desde criança aprenderam a atirar. Até com o próprio pai. Muitos continuaram a prática de tiro ao alvo e conheço pessoas inteligentes, cultas, importantes, que são colecionadores de armas, armaduras, espadas, facas, revólveres e carabinas e que, no trato social, são pacifistas, bondosos, solidários e até agora fichas limpíssimas. Essa é a razão deste artigo.

Retornemos, pois, ao assunto da arma de fogo que está, por enquanto, soterrado seja pelo mar de lama em consequência da ruptura da barragem de Brumadinho e pelos tiroteios na fronteira Brasil/Venezuela, situações que ninguém sabe aonde vão dar…

O que acontece com o projeto de liberação das armas e celeumas associadas não é nenhuma novidade e muito menos culpa dos avanços midiáticos.  Fuxicos, intrigas, picuinhas, desagravos entre defensores e atiradores de ideologias diversas são, como se diz aqui no Recife, mais velhos que a “Sé de Olinda”.

E, como perguntar não é pecado, como dizem por aí, e acredito mesmo que quanto maior for a ignorância maior é a certeza, fico pensando: de onde vem essa fantasia de pensar em fetichismo (admiração mórbida) pelas armas e armaduras e outros instrumentos de morte, tanto nas mulheres quanto nos homens?

Deve ser coisa de criança, pois não sei se ter uma arma, da espingarda de chumbinho até à chamada “papo-amarelo” (Carabina Winchester .44 [1873], a preferida de Lampião), vai adiantar quando o assaltante chegar. Ou atrapalhar…

Poderia tentar explicar através das ideias do velho Freud quando ainda diziam que ele tudo explica, mas agora ele está implicado no que se refere à liberação desse danado porte de armas. Considero tal assunto de um infantilismo muito grande.

Não brinco com a vontade das pessoas e respeito o anseio, o gosto, o prazer de cada um. E como toda e qualquer vontade deve possuir alguma explicação, relembro o poeta William Wordsworth (1770-1850), quando declama em um dos seus versos que “A criança é o pai do homem”.

Quando um menino ou uma menina cresce e desenvolve-se em determinado lugar não suficientemente adequado, o desejo deles é de se armar para aplacar a angustiante sensação de insegurança. Algo deve ter funcionado como gatilho para o disparo de tal gosto.

Essa ideia de que todos os outros são perigosos, inimigos, desprezíveis, e que, portanto, é necessário precaver-se de antemão contra as intenções dos oponentes, é um princípio péssimo para uma vida.

Insegurança vital!?

Sei também que cada um tem o pai e a mãe que tem: e se eles são reacionários, temerosos e se tornaram ferozes, pobres coitados, pela ideia de dever defender aquilo que possuem – quase como se se tratasse de um caso de má consciência – é uma desgraça que pode acontecer a qualquer um de nós. Sei também que a ausência de agressividade torna a pessoa apática, frágil e sem protagonismo na própria vida, por não ter força para defender seus direitos, valores e ideias.

Contudo, acautelo ao leitor quanto a poder ser a agressividade, como tudo na vida, boa ou má.

Insisto: o que determina o uso ou emprego da arma é a sua polaridade positiva ou negativa. É a forma como é usada.

O que compreendo mesmo é que as razões são individuais, mas o buraco feito por uma bala no corpo de uma pessoa é definitivo.

Por isso o problema não é a liberação do porte ou da compra de arma em si e digo: o buraco é mais embaixo.

Eu pessoalmente detesto quem anda com uma pistola no bolso. Não me sinto bem.

Por quê? Confesso que não sei!

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