Memória e comunicação

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 12/03/2019 03:00 Atualizado em:

Outro dia, procurando na TV Senado o programa semanal de Maurício Melo que entrevista pessoas ligadas à literatura sobretudo, descobri que existe naquele mais que importante organismo que em parte se ocupa de nossas vidas (?), um setor denominado Memória e Comunicação. E penso que dele faz parte aquela ótima série de publicações (será que ainda existe? ) intitulada Edições do Senado, que entre outras maravilhas editou Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, de Joaquim Manuel de Macedo, o autor de A Moreninha. A Viagem ao Brasil de Luiz e Elisabeth Agassiz (1865-1866), relatos que falam do que fomos,  recuperando nossa memória. Pois os países, como os indivíduos, dependem da memória enquanto elemento estruturante de seu próprio existir, todos o sabemos. Em 1937 o escritor Jean Anouilh escreveu um drama que aborda este aspecto da memória, Le voyageur sans bagages. Gaston personagem central, teve a memória afetada pela guerra de 1914. Desconhecendo sua identidade, sem noção do passado, é adotado por uma família que lhe dá um nome e a possibilidade de viver um presente inocente, como que passado a limpo. Entretanto, pouco a pouco Gaston se recupera e se descobre um passado de maldades. Incapaz de assumir esse personagem , viajante que prefere se desfazer da bagagem que lhe era atribuída, decide esquecer o passado, sentindo-se incapaz de trabalhar a memória, de reinterpretar, transfigurar talvez as lembranças, atribuindo novos significados à  existência que será levado a viver. Pensando nas diversas faces da memória, e de suas metamorfoses, a Academia Pernambucana de Letras organiza, a partir do próximo dia 23, e nas tardes de sábados, um curso sobre Transfigurações da Memória. Pois a história dos indivíduos como dos países, suas experiências, erros e acertos, apresenta, através dos anos, metamorfoses: como esquecer ou encarar de um outro modo o que aconteceu, a nível pessoal, a nível das comunidades, e levar adiante projetos de vida? Como, de repente, um ente à margem da sociedade, como Lampião, por exemplo, foi visto como um bandido e pode ser lido de uma outra maneira? Como mulheres como Charlote Corday, assassina de Marat e guilhotinada teve sua memória reconsiderada e mereceu sua imagem imortalizada pelo pintor David? Como Olympe des Gouges participou ativamente da Revolução Francesa, lutou pela igualdade das mulheres e dos negros escravos e terminou, como Charlote Corday, na guilhotina? E a nível das cidades, como nosso modo de encarar a evolução do Recife, por exemplo, através dos anos, pode nos indicar novos modos de viver?  Finalmente, o que é a memória de cada um de nós e por que preferimos dela conservar o que de mais belo nos restou? Ah, um comercial: informações podem ser obtidas na sede da APL, Avenida Ruy Barbosa, ou por telefone: 3268-2211. A não se perder.

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