Carmem, as outras mulheres

Luzilá Gonçalves
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 07/03/2019 03:00 Atualizado em: 07/03/2019 09:30

Em artigo neste jornal, semana passada, nossa colega Bartyra lembrou, muito acertadamente e com a firmeza com que sempre escreve,  que “em mulher não se bate nem com uma flor”, afirmação que parece ter esquecido um certo número, cada vez maior (que é que está acontecendo com esse subgrupo da humanidade?) de homens. O fato é que, atualmente, acostumados ao longo da história a serem considerados superiores, força física, etc, chefes de tribos e de clãs, provedores financeiros, todas essas coisas que a gente sabe, os componentes da maioria da gente masculina não conseguem acompanhar mudanças, como se o mundo não se transformasse, não se conformando com a perda do antigo domínio  baseado na tradição, em costumes ancestrais.  Nesta semana o canal Arte 1 apresentou trechos e comentou a ópera Carmem. A história de uma mulher forte, considerada volúvel e que terminou de forma trágica. Aliás, um parênteses: o destino de quase todas as personagens femininos das óperas é mesmo trágico, e lembro o ótimo ensaio, de Catherine Clément, A ópera ou o fracasso das mulheres. Mas Carmem era dona de si, do seu corpo e do seu coração, assumindo que “o amor é filho de ciganos, não conhece lei.” E admoesta: “Se você me ama, eu posso amar você. Mas se eu amar você, cuide-se”. Don José, apaixonado, confiado em seu estatuto de homem e sedutor, ignorou o aviso. Traído, não suportou ser rejeitado, esqueceu de que ninguém é dono de ninguém, e terminou por matar a ex-amada ( amada? ), que ele considerava seu objeto. A ópera de Bizet foi criada há mais de um século, mas sua trama se repete cada vez mais em nosso país, com terríveis estatisticas, sob a complacência das leis e de certos juízes, para vergonha nossa. Há uns anos, num encontro de estudantes de Letras, não sei como, surgiu o assunto.No auditório composto de maioria feminina, falou-se de como os castigos para esses assassinos eram por demais suaves, insuficientes. Uma moça mais indignada e exaltada falou em pena de morte. Outra, lembrou: devia-se fazer como em certos países árabes, quando cortam a mão a um criminoso. Aplausos. Mas um rapaz se levantou e acrescentou ( desculpe a crueza, querido leitor): Oou então cortar outra coisa.” Viva! foi o grito geral. E nem preciso dizer que a sala quase veio abaixo, com os aplausos redobrados.

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