Numa mulher não se bate nem com uma flor

Bartyra Soares
Membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 26/02/2019 03:00 Atualizado em: 26/02/2019 08:11

Há poucos dias, os números oficiais divulgados pela Secretaria de Defesa Social (SDS) mostraram que enquanto a redução de assassinatos de mulheres foi de 24%, entre 2018 (239 casos) e 2017 (314), se conclui que o fato demonstra uma realidade nada animadora: as mortes por feminicídio, no mesmo período, apresentaram uma queda de apenas 1,3% em Pernambuco.

O assassinato de mulheres por seus parceiros, não é de hoje. É preciso não esquecer que, desde os primeiros passos da história da humanidade, há registros de submissão da mulher como um ser inferior. Havia até quem acreditasse que a figura feminina não tinha alma e existia apenas para submeter-se às ordens do senhor, seu dono. Era a escrava que devia ser subserviente, sujeita a castigos atrozes, torturas físicas, verbais e emocionais, pagando com a própria vida ao tornar-se “instrumento” de repúdio do seu dono.

Sendo assim, não há o que contestar, a violência doméstica contra as mulheres é internacionalmente endêmica. Há cenas estarrecedoras no “Museo Nazionale delle Terme”, em Roma, como o caso contado no livro Grécia e Roma, de Susan Woodford, do gálata que, enlouquecido de ciúme, mata a si próprio e à mulher. Fato chocante, tanto quanto o de determinado indivíduo da favela, que ao sentir-se traído, estrangulou a esposa diante dos filhos. Ou o episódio ocorrido num bairro nobre do Recife, quando o homem atirou o corpo da esposa da varanda do décimo andar.

Na verdade, nada mudou. Se antigamente eram usadas armas brancas, atualmente, na sua maioria, é a arma de fogo que “protagoniza” esses espetáculos absurdos e deploráveis.

Num frevo canção, “Cala a Boca Menino”, Capiba fez com que uma multidão de foliões cantasse durante o período carnavalesco: Sempre ouvi dizer, /que numa mulher, / não se bate nem com uma flor”. Belos versos, destroçada verdade.

Quando veremos essa realidade cumprir-se? O assassinato de mulheres está nos poemas épicos de Homero. Está nas crônicas policiais de nossa Imprensa. É uma das violações de direitos humanos mais disseminadas e devastadoras nos países desenvolvidos ou denominados de terceiro mundo.

Reduzir o feminicídio não se trata somente de enfrentar a violência onde quer que ela aconteça. Tem a ver com combater o machismo, o sentimento de propriedade do homem em relação à mulher, a sua inaceitação da separação. Para isso, só polícia não resolve, só a Lei Maria da Penha não o elimina.

A dificuldade em reduzir os casos de crimes ao gênero feminino exige medidas mais efetivas do que simplesmente colocar na prisão o assassino. O decreto assinado em setembro de 2017, que instituiu o termo feminicídio nos boletins de ocorrência, foi um passo importante para esclarecer de forma explícita a violência seguida de morte de mulheres em Pernambuco, mas isso ainda não é tudo.

Há que surgir meios definitivos de combate a tamanho mal com a educação, o esclarecimento da igualdade de gênero, entre outras formas. Do contrário, nunca poderá ser apagada essa nódoa que enlameia a estrutura sócio-familiar de nosso tempo, e jamais se poderá vivenciar de modo real o frevo de Capiba: “Já se acabou o tempo / que a mulher só dizia então: / xô galinha / cala a boca menino / ai, ai, ai, não me dê mais não”.

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