Um certo Boechat

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 26/02/2019 03:00 Atualizado em:

Um choque, que foi o de muita gente, ao ligar a televisão, despreocupada, naquela tarde. Morte de Ricardo Boechat, anunciava-se, e um “ai meu Deus” interior, nos mostrou e a tantos, nesse Brasil afora, quanto ele fazia parte de nós, de nossa admiração e carinho, no dia a dia cada vez mais duro, dessa nossa pátria amada, idolatrada, ai de nós. Desde o programa matinal do riso nunca maldoso, inteligente, nos minutos que fazia com Simão, aquele do Buemba  Buemba (o que significa exatamente essa expressão?), zombando de algumas mazelas políticas, sociais ou outras, que pescava pelo mundo, até o Jornal da noite. E o modo de apresentar as notícias do dia, as palavras sempre justas, e o jeito comedido com  que nos fazia mergulhar em malfeitos humanos, ele sempre engajado em anunciar, denunciar, comentar (um colega seu, de profissão lembrou sua obsessão  em desvendar fatos, acontecimentos, insistindo na denúncia das injustiças,  nas quais estamos todos comprometidos). Desde os chamados crimes de colarinho branco, tornados tão banais que quase esquecemos de nos indignar, com essa indignação que era dele, comentando a banalidade do mal, para lembrar a expressão de Hanna Arendt. Crimes contra o patrimônio, contra nossa indolência diante do aquecimento global contra pessoas – mulheres, crianças, e os jovens que não têm voz nem vez nessas grandes favelas de nossas cidades, os presídios cheios. Céus, quanta notícia ruim que ele denunciava, indo contra a corrente de má fé  com que tentamos nos enganar, como se tudo aquilo não fosse culpa de nosso silêncio, ah Boechat, como você nos faz, fará, falta. Com sua coragem, seu jeito inteligente e corajoso de falar, com seu olhos claros que pareciam olhar além, olhar através de nós. Uma carreira brilhante, de inicio difícil, quando foi acusado de corrupto por uma organização na qual trabalhava e que não lhe deu ocasião de defesa, derramando os elogios após sua morte. Então, três anos de silêncio, revolta e depressão e a volta por cima, para alegria de todos nós. Que o amávamos de longe, habituados a ligar a televisão naquele horário. A notícia da morte de Ricardo Boechat chocou o Brasil tão carente de vozes lúcidas e corajosas como a dele, e os colegas de profissão não tardaram em se unir à dor dos membros da família (quem os consolará?). Falaram de como mandava bilhetinhos com caricaturas, rabiscadas a toda hora, criticando pequenos deslizes, ou elogiando o que estava bom. Falaram de como incentivava os iniciantes na profissão, por esses bilhetinhos. A imprensa brasileira de um modo geral lamentou a morte de Ricardo Boechat, lembrou seu profissionalismo. Miriam Leitão contou  em artigo neste jornal, como a ajudou quando fazia seus primeiros passos no exercício da profissão, e como todos nós sofremos, E concluiu seu artigo com essas palavras: ‘Era uma pessoa linda”. E eu recordo os versos de Garcia Lorca diante de Inácio, o toureio morto: “Llevará mucho tiempo por nascer – si es que nasce – outro andaluz tan claro como tú.”

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