Os militares e o poder

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 20/02/2019 03:00 Atualizado em: 20/02/2019 11:23

Como é público e notório, os derrotados de 2018 (e boa parte da mídia mais do que tendenciosa) vivem catando frases isoladas, pequenos episódios, o que for, para desancar o governo que os retirou do poder. Meteram o pau, impiedosamente, no vice-presidente, Hamilton Mourão, que achou de referir uma possibilidade teórica do que chamou “autogolpe”. Seria muito simples refutar essas críticas, bastando indagar (o que fiz a vários interlocutores) se “você garante que nunca, nem nos próximos 10, ou 20, ou 100 anos, as Forças Armadas darão algum golpe neste país?” É claro que ninguém pode assegurar isso – e era somente disso que o ingênuo vice-presidente falava: não de um golpe em curso, que estivesse sendo pensado e preparado, mas dessa hipótese, meramente teórica e longínqua, da possibilidade de outra intervenção militar na história brasileira.

Ainda voltarei a este assunto, que é fascinante e importantíssimo: saber de que é mesmo que a democracia depende. O que é que, efetivamente, a sustenta?

Por ora, quero apenas me divertir com o silêncio daqueles derrotados inconformados, que tanto deblateraram contra o vice-presidente e andam agora caladíssimos diante da continuidade do governo do chamado “usurpador” Maduro, na Venezuela. O que é mesmo que está sustentando Maduro, a não ser exatamente os militares? O governo venezuelano, a toda evidência, não tem mais apoio popular. Fraudou eleições e não admite convocar outras – limpas e honestas. Desrespeita a Assembleia Legislativa e até, para marginalizar o Legislativo constitucional, inventa outro órgão paralelo. Despreza e desrespeita a opinião pública interna (nem falo da internacional). E como se sustenta? Não é nem pelo apoio do Judiciário, que ele renomeou (o autêntico Judiciário se exilou, tais as perseguições que sofria). Sustenta-se somente pelo apoio dos militares. Apoio que será sincero ou não, será convicção genuína ou terá simplesmente sido comprado, com nomeações, promoções, vantagens, etc – mas que consiste essencialmente nisso: é a força militar, e tão somente ela, que sustenta o governo Maduro... E os nossos inconformadinhos brasileiros não dizem uma palavra a respeito, não repudiam essa intervenção militar, essa dependência relativamente aos militares... Para eles, é irrelevante, no caso da Venezuela, essa presença e essa predominância dos militares na vida pública.

Eis aí situação claríssima em que os militares não estão dizendo que podem dar um golpe, não estão admitindo que podem (algum dia, teoricamente) intervir na política e na ordem – algum dia, num futuro que pode ser longínquo, e requererá circunstâncias gravíssimas – mas estão de fato intervindo, de fato estão superpondo sua vontade à vontade do povo, estão impondo suas próprias preferências às preferências nacionais. É a pura força das armas, e só ela, que mantém Maduro. E os nossos esquerdistazinhos derrotados não se escandalizam, não protestam, não dizem nada... Por que não clamam por eleições verdadeiras na Venezuela? Por que não reclamam pela consulta ao povo, do qual todo o poder emana? Por que não condenam os militares venezuelanos tão obviamente debochadores da vontade popular? Por que a crítica só vale para os militares brasileiros e não para os venezuelanos?

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