O STF e a criminalização da homofobia

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 18/02/2019 03:00 Atualizado em: 18/02/2019 08:57

A civilização brasileira, tão decantada em sua abertura, tolerância e miscigenação, não reproduz esses atributos quando o assunto é diversidade de orientação sexual e identidade de gênero. Entre nós, o respeito à diversidade tem passado longe de qualquer critério civilizado. O preconceito, a discriminação e a violência contra os milhões que integram nossa população LGTBI mais nos aproximam das sociedades estratificadas pré-iluministas. Para combater esses ranços históricos, as sociedades abertas apostam na evolução da educação, da cultura e da democracia. Mas não prescindem de instrumentos do Direito Penal para fomentar a aplicação concreta dos valores que necessitam promover.

Na próxima 4a feira, o STF vai continuar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26. Proposta pelo PPS, a ação visa a resolver a demora do Parlamento em aprovar uma legislação para criminalizar a homofobia e a transfobia, agressões quotidianas que negam o direito fundamental à igualdade. Na ação, o autor pede: i) reconhecimento de que o conceito de racismo abrange homofobia e transfobia para enquadrar tais condutas na ordem de criminalização do racismo, com base em precedente do STF no HC 82.424/RS que declarou não estar o conceito de racismo limitado à discriminação por cor da pele; ii) declaração da mora inconstitucional do Congresso Nacional em criminalizar especificamente a homofobia e a transfobia; iii) fixação de prazo razoável para o Congresso Nacional aprovar legislação naquele sentido; e (iv) caso o Legislativo não respeite o prazo estipulado: (iv.1) inclusão das práticas discriminatórias fundadas em orientação sexual na Lei de Racismo (Lei 7.716/89); (iv.2) tipificação das condutas de homofobia e transfobia, e (iv.3) responsabilização civil do estado brasileiro, com indenização das vítimas de todas as formas de homofobia e transfobia. Fundamenta-se o pedido no Princípio da Igualdade previsto no art. 5° da Constituição Federal, especialmente nos incisos XLI (‘a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais’), XLII (‘a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão’), e, por fim, no princípio da vedação da proteção deficiente, decorrente do art. 5°, LIV. O parecer da Procuradoria Geral da República é pela procedência do pedido, exceto quanto à fixação de indenização às vítimas de atos de homofobia.

Impressiona a resistência. Para quem não comete o crime homofóbico, por que temer o rigor da lei? Sabe-se que a força normativa da constituição e das leis confere-lhes uma função programática e diretiva, como ensinava o jurista português Canotilho. Por que não atualizar o Direito Penal para dar eficácia ao Princípio da Igualdade? Uma legislação que desestimule a violência moral e física a tantos milhões vai prejudicar a quem? Os que agridem e causam sofrimento às pessoas com orientação sexual diferente não devem ser desestimulados?

A criminalização da homofobia pelo direito brasileiro não vai impedir que cada cidadão tenha suas convicções íntimas. O que estará sendo proibido é que essas convicções se externalizem na prática de atos de violação do direito à integridade, à mobilidade, à autoestima e à vida de outras pessoas que são e pensam de modo diferente. Trata-se de norma civilizatória orientadora de valores constitutivos de uma sociedade que se pretenda democrática. Quem quiser ser homofóbico que o seja. Mas que não agrida os diferentes. Nem os discrimine. A lei penal, por definição, pune a conduta externa. As convicções íntimas ficam circunscritas ao universo moral interior de cada pessoa. Não é razoável o argumento de que a criminalização da homofobia viola a liberdade de pensamento e expressão. O que será proibido será a conduta agressora. A liberdade de expressão, como qualquer princípio constitucional não é absoluta. Não pode cancelar outros princípios igualmente consagrados na constituição. Seu intérprete deve harmonizar os diferentes princípios, através de técnicas como a ‘interpretação conforme à constituição’. A liberdade de expressão dos que são intimamente homofóbicos deve se adequar à proteção que a CF confere aos direitos de personalidade de todos, independentemente de orientação sexual, etnia, gênero, idade ou religião. Ao mesmo tempo a legislação poderá criar mecanismos para também garantir a liberdade de expressão dos que se opõem à agenda LGTBI, harmonizando-a com o direito à igualdade, à vida e à liberdade.

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