Editorial Almoço de domingo e questões de Estado

Publicado em: 16/02/2019 03:00 Atualizado em: 18/02/2019 08:57

“Amigos, amigos. Negócios à parte.” A frase, que circula com desenvoltura nos meios empresariais, deixa clara a delimitação entre esferas diferentes. Uns são bem-vindos no almoço de domingo, nas reuniões sociais, nos bate-papos em mesa de bar. Outros respondem pela instituição. São obrigados a dar satisfação a clientes, acionistas, fornecedores e burocracia estatal.

Mutatis mutandis, a sentença se adapta ao Palácio do Planalto: “Família, família. Governo à parte”. A separação é importante. Por um lado, garante a previsibilidade, indispensável para a tomada de decisões. Na eclosão de crise — natural num sistema dinâmico como a administração pública —, os envolvidos devem saber com quem tratar e prever as reações possíveis.

Em outras palavras: problema de economia exige a palavra do ministro Paulo Guedes; de segurança, Sérgio Moro; de relações exteriores, Ernesto Araújo. Não por acaso, eles dispõem de assessoria especializada, apta a analisar os prós e os contras de decidir por este ou aquele caminho. A certeza de quem responde pela pasta também dá tranquilidade ao time oposto, que pode se preparar para o embate.

Por outro lado, a definição de papéis evita confusões como a observada no episódio de Carlos Bolsonaro e Gustavo Bebianno, secretário-geral da Presidência da República. O ministro se viu em meio a denúncias de que o PSL, partido que presidia à época da eleição de 2018 e pelo qual Jair Bolsonaro disputou o Planalto, estaria envolvido em candidaturas laranjas.

O fato é grave, sobretudo para a agremiação que lutou por cargos eletivos com a forte bandeira da anticorrupção. Mas ganhou dimensões desproporcionais graças à intromissão do filho do presidente, que revelou ter acesso aos contatos do pai — assuntos de Estado, não de família. O presidente estava internado e por isso, segundo suas palavras, não quis falar com Bebianno.

A história teria batido ponto final aí se o áudio não tivesse sido postado nas redes sociais e replicado pelo presidente com o carimbo de que o ministro é mentiroso — ato desnecessário, com forte combustível para provocar incêndios e desviar a atenção dos desafios que o governo tem pela frente. Entre eles, a aprovação da reforma da Previdência e o enfrentamento da crise de segurança pública.

As consequências, como frisa o conselheiro Acácio, vêm depois. E vieram. Bolsonaro voltou para Brasília depois de longa hospitalização. Nada mais razoável do que os holofotes iluminarem as decisões cruciais que tomou como a definição da idade mínima para a aposentadoria e os desafios da articulação da base para aprovação do projeto. Não foi, porém, o que aconteceu. As atenções se voltaram para a crise criada por membro da família.

O Brasil tem pressa. Precisa aproveitar a janela de oportunidades que se abre neste início de mandato para fazer a lição de casa. Não pode desperdiçar tempo e talento com artificialismos. Os filhos do presidente podem ajudar — e muito — na sua esfera de atuação. Está na alçada do senador Flávio Bolsonaro e do deputado Eduardo Bolsonaro desempenhar papel importante no Legislativo. É hora de separar o almoço de domingo das questões de Estado. Mãos à obra.

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