Pacote anticrime: "Aos amigos, tudo; aos inimigos, todos os rigores da lei"

Carlos Veras
Deputado Federal/PT

Publicado em: 12/02/2019 03:00 Atualizado em: 12/02/2019 09:13

O pacote anticrime e anticorrupção anunciado no último dia 4 de fevereiro pelo ministro da Justiça e da Segurança, Sérgio Moro, é mais do mesmo: endurecimento de penas e da abordagem policial e leniência com os poderosos. Seu escopo apenas estimula o superencarceramento e não aborda pontos imprescindíveis para combate ao crime e à corrupção, tais como a qualificação das forças policiais, investimentos em inteligência e no processo investigativo, prevenção do envolvimento de jovens com o tráfico de drogas e com o crime organizado e outras ações sociais indispensáveis à promoção da segurança pública e de uma cultura de paz.

Entre as propostas, figura a formalização das prisões em segunda instância, medida que fere o princípio da presunção da inocência e poderá encarcerar milhares de pessoas cujas sentenças ainda estão inconclusas. Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 40% da população carcerária é formada por presos provisórios, e essa proposição apenas agravará o quadro de superlotação das prisões. Neste item, vale destacar que o Brasil é atualmente o terceiro país do mundo que mais encarcera, e os assustadores índices de violência nem por isso declinam, considerando que o sistema carcerário brasileiro alimenta todo ciclo vicioso da violência.

Outro ponto preocupante é a figura do “Excludente de Ilicitude”. Na prática, essa medida elevará a letalidade da ação policial no Brasil, que já é uma das maiores do mundo. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mais de 5 mil pessoas foram mortas pela polícia brasileira em 2017, o que corresponde a 8% de todos os assassinatos do país nesse período.

Esses dados demonstram que para enfrentar a violência com seriedade é necessário revisar princípios e conceitos acerca do sistema prisional brasileiro a partir da perspectiva da injustiça e da desigualdade social, onde os mais vulneráveis são penalizados. A maioria da população carcerária brasileira é composta de jovens, negros e pobres, que só conhece a face repressora do Estado em sua máxima de vigiar e punir e jamais usufruiu de políticas públicas fundamentais.

Se aprovado, esse pacote legitimará injustiças e inconstitucionalidades que já vêm sendo praticadas contra os “inimigos do sistema”. Causa estranhamento, que o autor do severo pacote tenha sido tão benevolente quando no que se refere à admissão do Caixa 2 do ministro Onyx Lorenzoni (DEM). O caso Queiroz é outro exemplo da benevolência do Poder Judiciário que assiste letárgico a dança do motorista milionário. O agora senador Flávio Bolsonaro elevou exponencialmente seu patrimônio de R$ 25 mil no ano de 2002 para R$ 1,7 milhão em 2018 sem ser incomodado pelos juízes por demais ocupados com a Operação Lava-Jato.

Enquanto isso, o presidente Lula está preso sem provas, com base em duvidosas delações, ilações e convicções sem pé nem cabeça, curiosamente, a partir de um julgamento em 2ª instância que só agora sua validação estará sob análise do Congresso no pacote em questão, revelando assim a total ilegalidade de sua prisão, configurando desse modo seu caráter de condenação política.

Considerando exposto acima, não podemos concordar com um plano que contradiz em sua raiz princípios tão caros ao Estado Democrático de Direito. A peça serve tão somente para proteger os poderosos, preservar o patrimônio da elite brasileira, segregar pobres e negros e perseguir adversários políticos. Por fim, podemos resumir pacote anticrime e anticorrupção apresentado por Moro em uma frase atribuída ao ex-presidente Getúlio Vargas: “aos amigos, tudo; aos inimigos, todos os rigores da lei”.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.