Os adolescentes do Flamengo

Bartyra Soares
Membro da Academia Pernambucana de Letras
mbartyra@hotmail.com

Publicado em: 11/02/2019 09:00 Atualizado em:

O Rio de Janeiro não é apenas suas praias incendiadas de sol com a Garota de Ipanema, de Jobim e Vinicius, “num doce balanço a caminho do mar”. Nem somente a Baía de Guanabara com seu rótulo de uma das mais belas baías de água salgada do mundo nem o Cristo Redentor do alto do Corcovado, abençoando os cariocas. Não é também apenas a “Cidade Maravilhosa” - centro de atração turística internacional.

Nem mesmo é o Rio de Janeiro, as comunidades penduradas nos morros com seus relatos de fome, tráfico, assassinatos, apesar de ninguém se esquecer dos versos de Orestes Barbosa a cantar que “no morro do Salgueiro “a porta do barraco era sem trinco, / mas a lua furando nosso zinco / salpicava de estrelas nosso chão”.

Onde vislumbrar a lua salpicando de estrelas o chão, quando já inúmeras vezes, as ruas e becos dessas comunidades se transformam em leitos de rios que invadem casas destroem e matam sua gente, como ocorreu no dia 8 do corrente mês? A quem responsabilizar pela falta de vias de vazão das águas, de saneamento básico, de limpeza de entulhos para proporcionar o correto “caminho” das enxurradas? Não há como impedir a impetuosidade das chuvas, mas existem medidas de controle para o seu escoamento.

É, também, o Rio de Janeiro, a cidade guardiã da residência imperial, na Quinta da Boa Vista, onde se estabeleceu a monarquia portuguesa. Não há, porém, motivos para festejos. Atualmente é a sede(?) do Museu Nacional, que no ano de 2018, em que completava duzentos anos de funcionamento, sofreu uma das maiores catástrofes ocorridas no Brasil: o fogo destruiu milhões de itens, abrindo uma chaga no patrimônio histórico e científico do país, perdendo-se um acervo e fonte de pesquisa inestimáveis em nível nacional e internacional.

E o que dizer das mortes de 10 adolescentes, além de alguns hospitalizados, vítimas do fogo no dia 9, enquanto dormiam no Ninho do Urubu, Centro de Treinamento (CT) do Flamengo, também tendo como palco da tragédia o Rio de Janeiro? A perplexidade dos brasileiros, a irreparável dor dos familiares dos adolescentes, nada trará de volta suas vidas nem seus sonhos de jogarem ao lado dos renomados ÍDOLOS do futebol nacional e internacional.

Os sonhos não têm limites e nada impediria que um dia a realidade se cumprisse para eles. Eram talentosos. Impossível imaginar que não estivessem felizes. Afinal, iniciar a carreira defendendo a camisa do Flamengo era um passo largo no início de uma caminhada em direção ao êxito. O ideal da maioria era superar a procedência humilde, poder colaborar na manutenção de suas famílias, descobrir a vastidão do mundo, e em cada passe, em cada gol, nas Copas , carregar a pátria nas chuteiras como definia Nelson Rodrigues.

No instante, em que não convencem explicações nem dores são atenuadas. Nem quando as novas garotas de Ipanema passam em busca de sol e mar, não há como concluir que seja consolador relembrar Jobim e Vinicius na famosa canção. Talvez seja adequado citar a conhecida expressão da tradição militar: “Toque de silêncio”. Há o que mais dizer? Talvez somente inquirir: qual a situação dos Centros de Treinamento de Pernambuco?

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