Os dois irmãos, a peste, o amor e nós

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 05/02/2019 03:00 Atualizado em:

Um documentário em Arte 1, esse bendito canal televisivo que está completando cinco anos, viva ele: os irmãos Taviani falando sobre cinema, sobre a vida, sobre o amor. Dois senhores idosos, Paolo e  Vittorio, entrevistados quando ainda o mais moço vivia. Para os distraídos lembro: estes premiadíssimos cineastas italianos nos deixaram alguns dos mais belos e incisivos filmes que o cinema  mundial nos apresentou nas últimas décadas. Entre eles, Pai Patrão, Kaos, Uma questão pessoal, César deve morrer (este último, um episódio da história romana, filmado num presídio e tendo presos comuns como atores e quase co-autores, imaginem! ),  todos abordando problemas de cunho social, político, reflexões sobre as relações humanas, sobre nosso estar num mundo injusto, discriminatório, violento. Mas no qual é preciso continuar vivendo, agindo e amando. Com sensibilidade, domínio absoluto do fazer cinematográfico, que marcam toda a sua produção artística, os Taviani não poupam ao espectador a chamada, muitas vezes crua, à responsabilidade coletiva ou individual ante os dilemas que a vida em sociedade impõe. Tudo perpassado por um senso de humor  não destituído de ternura. Levados a comentar o filme que fizeram sobre o Decameron, de Bocaccio, eles falaram sobre a arte enquanto antídoto à situação de miséria na qual o mundo está  mergulhado. A peste que assolou Florença no século 14 nos assola ainda hoje, a peste está por toda a parte. Lembraram o modo como Bocaccio construiu seu romance, de fato cem pequenas novelas, que dez jovens, moças e rapazes, florentinos, fugindo da peste, mas apaixonados pela vida, se inventam ao longo das noites. Relatos que reconstroem a devassidão dos habitantes da cidade, cônegos venais, maridos infiéis, esposas traidoras, políticos corruptos, comerciantes desonestos, dispostos a roubar, a matar, a deixar morrer o seu proximo,  a qualquer ação para satisfazer sua ganância. Na fala dos jovens que contam histórias, há a alegria de estar vivo, desfrutando dos banhos no rio, dos jogos, de encontros amorosos, de qualquer modo: eles que escaparam da peste não perderam a lucidez, a capacidade de criar, de se insurgir de criticar: uma mensagem tão atual por parte de Boccacio, por parte dos Taviani,  para os que permanecemos vivos; O filme insiste sobre o poder da arte e do amor. E cita Dante: o amor que move as estrelas persiste em viver depois da morte. 

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.