Quanto vale uma vida?

Bartyra Soares
Membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 29/01/2019 03:00 Atualizado em: 29/01/2019 08:59

Informações acerca do número de mortos no trágico rompimento da barragem e mina I do Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, ainda são imprecisas. Entretanto, essa ausência de precisão, não torna impossível evitar que os nossos pensamentos não se voltem para a destruição de construções, veículos e, acima de tudo, para a morte de homens, mulheres e crianças soterrados pela avalanche dos rejeitos de lama da barragem. Ante tanto sofrimento, espantosos e surpreendentes fatos, é indispensável a pergunta: quanto vale uma vida? Quanto valem tantas vidas arrebatadas de supetão?

Não há medida. É impossível quantificar a validade de corações que repentinamente se fizeram túmulos, de sorrisos que naufragaram, de corpos sucumbidos. Corpos que serão encontrados, porém jamais serão seres participantes do espetáculo da existência.

Como avaliar os sentimentos dos familiares dessas vítimas que tão bem eles conheciam? Desde o timbre da voz, a maneira de olhar, o peculiar jeito de ser, seus sonhos e forma de recepcionar a vida? Agora só lhes resta viver a angustia da ausência, do lembrar episódios. De antemão, já sabendo que o fluir de seus dias permanecerão mergulhados nas dores sucumbidas, na indefinição da saudade. E aprisionados pela sensação de vazio, lacuna, insuficiência, é compreensível que concluam: nada mais vale a pena.

Mas, é imprescindível recordar que, apesar de que sob a lama há corpos entregues ao silêncio da morte, ninguém, mesmo no futuro, estará definitivamente esquecido.

Enquanto houver afeto, e sempre haverá, as vítimas da tragédia de Brumadinho valerão na significativa expressão do amor dos que ficaram. E isso é tudo ou quase tudo. Valerão, principalmente, pelo que são agora em decorrência do que foram antes.

E sempre que os nossos pensamentos se mantiverem voltados para a catástrofe do rompimento de mais uma barragem , se ouvirá a “voz” do poeta John #Donne (1572-1631), quando escreveu: “Nenhum homem é uma ilha isolada, cada homem é uma partícula do continente, uma parte da Terra, (...) a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”.

Dobram no lamento dos ventos que gemem. no choro das águas, no palpitar dos corações dilacerados. dobram nas memórias dos que nunca esquecerão o dia 25 de janeiro que retirou do calendário do tempo seres humanos que ainda teriam muito o que viver.

Inesquecível o depoimento de um sobrevivente ao declarar que, inicialmente, ao correr enlouquecido para escapar da lama, da iminência da morte, só pensava em “ficar vivo”. Mas, logo lhe veio o pensamento: “Eu podia não mais abraçar o meu filho”.

Quantos não mais poderão vivenciar esse gesto do abraço? Quantos não mais ouvirão a voz, terão o afago, a certeza da vivência de um futuro de união com as pessoas que amavam e por elas eram amados? Tudo por conta de uma dolorosa conjugação de fatores que destruiu definitivamente vidas que ficaram, vidas que se foram. A quem perguntar: até quando essas catástrofes se repetirão?

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