Independentes e harmônicos

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 24/01/2019 03:00 Atualizado em: 24/01/2019 08:53

Um dos problemas mais sérios da Constituição brasileira vigente será o do equilíbrio entre os poderes, que devem ser “independentes e harmônicos entre si”. Há dois excessos a evitar: o antigo, de uma verdadeira sujeição dos outros poderes ao Executivo; e o atual, que, para corrigir o abuso anterior, criou o regime de uma praticamente absoluta autonomia, da qual resultaram poderes ricos, o Legislativo e o Judiciário, que definem livremente suas despesas, para o Executivo pagar. Há hoje um evidente descompasso entre os poderes, que não pode continuar. Não é razoável que o Judiciário e o Legislativo possam se dar os aumentos que quiserem, os quais a receita comum do governo (portanto, do Executivo) tem de suportar. Nem é razoável que aleguem fazer isso porque contam com dotação orçamentária suficiente – isso apenas mostra que essa dotação folgada está errada. Enquanto o Legislativo e o Judiciário vivem nababescamente, o Executivo sobrevive em estado de penúria. Como ajustar isso sem voltar à dependência anterior? Enquanto essa magna questão não se define, bem que algumas medidas concretas específicas poderiam ser tomadas.

Uma, definir que os aumentos anuais dos servidores – aumentos cuja razão de ser é recuperar o poder aquisitivo da remuneração – têm de ser iguais para todos os Poderes. Não somente iguais para os ativos e inativos, nem só para civis e militares, mas também para o Judiciário, o Legislativo e o Executivo. Porque a inflação é a mesma para todos. Ou a moeda do Judiciário e do Legislativo não é o real?

Outra, definir que as regras de aposentadoria sejam iguais para os três poderes. Por que o Legislativo e o Judiciário poderiam ter regras próprias? Tempo de trabalho é tempo de trabalho; tempo de contribuição é tempo de contribuição. As distinções que houver devem ter outra razão, mais objetivas, mais gerais, mais iguais para todos: para beneficiar trabalhos em condições de risco, por exemplo. Jamais distinções em função do Poder a que o servidor está vinculado.

Outra: definir explicitamente que esses auxílios que ficam inventando – auxílio-moradia, saúde, vestuário (agora um indecente auxílio-mudança, daqui a pouco auxílio-não-reeleição, para “ajudar” os que não forem reeleitos) –  absolutamente não têm caráter indenizatório, são elementos da remuneração, são itens a que a remuneração normal deve atender, conforme está explícito no art. 7º da Constituição. Por que esses itens integram a finalidade do salário mínimo do pequeno trabalhador brasileiro, mas, no caso dos grandes privilegiados do Estado, da casta que se apossou do País, devem ser considerados à parte, como “indenização”?

Ainda: reduzir a, no máximo, um terço o atual número de assessores e cargos comissionados de que desfrutam os membros do Legislativo e do Judiciário. Para que tantos? Se o Executivo está cortando esses cargos, por que os outros poderes não podem reduzi-los também?  

O Legislativo e o Judiciário não podem continuar sendo casta de privilegiados. Precisam dar exemplo. Se a Constituição prega a independência entre os Poderes, prega também a harmonia – e não pode haver harmonia se se mantiver a imensa desigualdade atual. Não pode haver harmonia onde há desigualdade e privilégio.

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