A lista de devedores da RFB e a criminalização dos contribuintes

Thiago Castilho
Advogado e sócio da área tributária de Severien Andrade Alencar Advogados

Publicado em: 24/01/2019 03:00 Atualizado em: 24/01/2019 08:51

É procedimento legal (e não incomum) que, durante fiscalizações tributárias, os auditores fiscais, ao identificarem irregularidades na apuração e recolhimento de tributos, além de lavrarem Autos de Infração, elaborem Representações ou Comunicados para o Ministério Público (MP). Cabe a este último avaliar as eventuais medidas penais cabíveis diante dos fatos noticiados pelas autoridades fiscais (abertura de inquérito, propositura de ação penal ou arquivamento, por exemplo).  

O prosseguimento de procedimentos penais, a cargo do MP, a rigor, somente deve ocorrer após a constituição definitiva do crédito tributário e confirmação da existência de dívida exigível. Se, por exemplo, o contribuinte apresentar defesa administrativa ou parcelar o débito, não deve haver, em regra, o prosseguimento de qualquer procedimento na esfera penal.

Ocorre que, no último dia 14, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Portaria 1.750/2018, autorizando o próprio órgão arrecadador a divulgar, no seu site, no dia 10 de cada mês, os nomes de pessoas físicas e jurídicas que foram objeto das citadas representações ao MP, na condição de suspeitas de terem cometido, dentre outros, os crimes de contrabando/descaminho, contra a ordem tributária e a Previdência Social.

Ao divulgar amplamente os nomes e dados dos contribuintes representados ao MP, a RFB lançará - sobre pessoas físicas e jurídicas que ostentam, em princípio, a condição de meras devedoras - uma sombra pública e perniciosa de suspeitos pela prática de crimes.

Como justificar que contribuintes autuados por autoridades administrativas, cujas defesas sequer foram apreciadas definitivamente pelos órgãos competentes, possam ter sua imagem e honra abaladas mediante publicação de seus nomes como suspeitos de crimes?  Como admitir-se que um órgão arrecadador tenha a prerrogativa de, se não recebida a dívida, expor publicamente o suposto devedor, com a pecha de possível criminoso?

A iniciativa da RFB nada mais é que uma nova e grave sanção política contra os contribuintes, visando incrementar a arrecadação. Se no passado, a cobrança de tributos era feita à força (manu militari), nos tempos atuais, a moda é constranger publicamente o contribuinte (tax shaming). É um fenômeno global, mas, nesse caso, há um tempero brasileiro. O Judiciário certamente enfrentará essa questão.

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