Um conto que virou o grande romance de Paula

Raimundo Carrero
Escritor e jornalista

Publicado em: 14/01/2019 03:00 Atualizado em: 14/01/2019 08:39

No princípio era apenas um conto – rápido, direto, incisivo. Provocado pela pergunta que um rastafári, ou simplesmente um rasta, fez a Paula Anacaona, a querida editora de autores brasileiros na França, numa rua de Paris, - era alguém que ela nunca vira antes e que acrescentou à pergunta a palavra “sister” – o que causou estranheza e inquietação. Por que sister? Irmã? Por que irmã? Paula é francesa mestiça, filha de haitiano.

Depois de muita reflexão e dos rascunhos do conto, Paula concluiu que podia ir mais adiante, questionando a vida de uma mestiça num mundo de brancos desde a Europa tradicional, passando pela América Latina, em especial o Brasil, a destacar a sua própria experiência, embora sem escrever, com rigor, uma autobiografia.

Por isso, conta a história de Vitória, uma mulher de cor, bem- sucedida, editora e escritora. Vem daí uma personagem muito forte, enfrentando situações decisivas e que, de uma forma ou de outra, poderiam ou podem, ser as mesmas vividas por Paula. O certo é que a narrativa nasce com a personagem num mundo de confrontos e de dores, de preconceitos e de situações inusitadas.

As cenas se desenvolvem no Rio de Janeiro, Paris, Nova Iorque, sempre com a certeza de que é preciso enfrentar os preconceitos de cor e de raça. Com esta notável certeza de empoderamento feminino e de uma pessoa destinada ao preconceito.

O que mais impressiona neste livro, todavia, é a linguagem viril, própria de uma mulher que conhece as suas possibilidades, mas sabe também que, por ser mulher e mestiça, tem que enfrentar o mundo exterior, sobretudo, este mundo de brancos e de vencedores.

Por isso, a história torna-se ainda mais bela porque também a história de uma vencedora mesmo num mundo em que as mulheres e os mestiços são empurrados para a derrota. Por isso, Tatu é o livro, um romance de uma vencedora, sem se restringir ao mundo estreito das páginas ou das cenas, dos diálogos ou dos cenários.

Cabe ao leitor, no entanto, a última palavra a respeito deste livro poderoso, feminino e mestiço. Tatu é, sem dúvida, um marco na literatura universal, fruto da experiência e da luta de uma mulher que mais uma mulher é uma vencedora e uma líder.

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