De mangueiras e de mangas

Vladimir Souza Carvalho
Magistrado

Publicado em: 12/01/2019 03:00 Atualizado em: 14/01/2019 08:40

Se desejar a manga (não a mulher, ressalte-se bem) do próximo fosse pecado, eu estaria com a alma cheinha de pecado, porque, na cidade ou na estrada, ao me deparar com uma mangueira bem carregada, as mangas caindo em conchas de galhos altos ou  baixos, seja rosa – que a cor abre logo o destaque -, seja espada, seja maria -, as que mais aparecem, minha boca se enche de desejo de devorar as que estão no ponto, sonhando em ir cortando pedaço por pedaço para o  guloso sacrifício, ah, Senhor meu Deus de todas as mangas, eu não consigo me controlar.

Aí vem o sonho firme e seguro de ser proprietário de uma área rural para nela enxertar mangueiras a três por dois, mangas de todas as qualidades, porque a espécie é tão  variada que a geladeira de casa não comporta uma de cada, se dispor de todas ao mesmo tempo pudesse, e, então, vê-las crescer, guardando distância uma da outra, para que não tivessem os galhos de subir em direção ao céu, o que me dificultaria a colheita das mais altas, e eu, então, encararia as mangueiras como um sultão nordestino em seu harém, sem a presença de um guardião eunuco, a aproveitar a sua sombra para a minha caminhada diária de inspeção, contando os dias em que as mangueiras ficariam adultas e aptas a se encher de frutos para o meu deleite na primeira refeição do dia, e, no momento exato do parto multiplicado, colheria as que estivessem ao alcance de minhas mãos, ávido de desejo, como se tivesse em mãos..., ah, me calo, talvez a comparação não seja lá tão católica e aprumada, afinal, de desculpa, posso dizer que, com a boca cheia de manga não devo falar.  

Não se pense que a obsessão pela manga é coisa velha. Em absoluto. É certo, e não há como esconder, que velho estou ficando, e, então, possa essa nova condição me cobrir de esquisitices, abrindo fendas para inusitados gestos, colecionando sonhos infactíveis e desejos insaciáveis, tudo pelo passar dos anos, e, entre estes, o olhar permanentemente vidrado nas mangueiras e nas mangas, que, à míngua de um sítio, que nunca terei, de mangueiras, que nunca plantarei, me contento apenas em ir para o mercado, onde a oferta de mangas, no momento, é farta e variada. E eu lá, feliz, pechinchando e comprando.

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