Estado e religião

Luiz Otavio Cavalcanti
Ex-secretário de Planejamento e Urbanismo da Prefeitura do Recife, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco e ex-secretário de Planejamento de Pernambuco.

Publicado em: 11/01/2019 03:00 Atualizado em: 11/01/2019 08:47

O critério de escolha dos novos ministros da Educação e das Relações Exteriores foi ideológico? Se foi, o novo presidente da República confundiu meios e fins. Pois a finalidade da educação é focar o mérito da educação. Como disse o ministro da Educação francês: “Educar é ler, escrever, contar e respeitar”.  

A ideologização da universidade não melhorou os índices de qualidade do ensino superior. Nem os do ensino básico. Portanto, não é com ideologia nem com evangelismo que vamos melhorar. Não foi assim na Finlândia, na Coreia do Sul, no Chile.

No caso das Relações Exteriores, a política externa brasileira tem uma tradição respeitável. Foi construída em cima de princípios: soberania dos Estados, autodeterminação dos povos e não intervenção. O corpo de diplomatas brasileiros é reconhecido por seu profissionalismo. E nunca precisou, para ser respeitado, de recorrer a teses do marxismo ocidental. O marxismo ocidental é uma corrente filosófica de esquerda, apoiadora da Escola de Frankfurt. Cujos grandes corifeus foram Adorno, Walter Benjamin e Habermas. Afastar-se da esfera do marxismo ocidental foi o motivo, alegado pelo chanceler indicado por Bolsonaro, para alinhar-se aos Estados Unidos. Gratuitamente. Sem negociar nada. Prática pouco usual nas trocas diplomáticas.

No âmbito da política externa, a ideologização foi agravada pela nódoa da corrupção. Mediante o emparceiramento empresarial com a Odebrecht. E não será com oposição ideológica ao marxismo ocidental que o Itamaraty vai recuperar seu padrão de desempenho. E respeito internacional.

Infelizmente, com recursos do BNDES, o Brasil ajudou tiranetes latino-americanos. De igual modo, não vamos, agora, emprestar apoio a lideranças globais que sabotam a imprensa. E tentam desconstruir a base do espaço democrático na América. Com fakes news.

O fundamentalismo religioso é fruto de ansiedade e inquietações pós modernas, segundo Zygmunt Bauman. Segundo ele, o fascínio fundamentalista está na promessa de eliminar agonias nas escolhas para tomar decisões certas. Num mundo líquido, cada vez mais afetado pela sedução do consumo.      

A organização de pressões políticas, de natureza religiosa, reflete tal ânimo da sociedade. Por isso, no Brasil, o número de adeptos da religião evangélica vem crescendo. Econômica e politicamente. A ponto de estruturar, desde a eleição de 2014, bancada importante no Congresso Nacional.

Ocorre que o Estado brasileiro é laico. Conforme estabelece a Constituição brasileira. É essencial que assim seja. Pois religião e poder são conceitos que devem operar em campos distintos. Um no sagrado. Outro no profano.

Melhor será o governo fortalecer o ideário liberal que parece sustentar sua concepção de ação. A formação de governo liberal parte da separação entre Estado e Igreja, entre poder político e poder religioso. O governo deixa de ser o braço secular da religião. Por outro lado, o governo liberal se consolida na emancipação do poder econômico em relação ao poder político. A burguesia mercantil, empresarial, funciona como braço secular da economia.

Nesse contexto, o governo liberal assume a plenitude do poder político, dispensado da dimensão religiosa e da dimensão econômica. É tal poder político que confere ao Estado condições para garantir os direitos civis, a liberdade política de expressão, a liberdade econômica de empreender. São estas instituições que constroem o Estado democrático de Direito, como ensina Bobbio.

Ou seja, um Estado isento de fundamentalismos.

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