Notas sobre o feminicídio

Moacir Veloso
Advogado

Publicado em: 11/01/2019 03:00 Atualizado em:

Em 2017 foram assassinadas 4.473 mulheres. Isso significa que, a cada duas horas uma mulher é morta no Brasil. São 12 por dia, sem considerar as outras milhares que escapam ilesas ou com seqüelas das agressões. A violência contra a mulher adquiriu status de epidemia, e não há expectativa de uma solução para se evitar esse massacre. Em 1988 Regina Célia casou-se com Luiz Paulo. Ele com 30 anos e ela com 27, após um namoro de dois anos. O primeiro ano de casados transcorreu em relativa normalidade, embora Regina escondesse da família o ciúme doentio que Luiz Paulo nutria por ela. No segundo ano Regina engravidou e tudo indicava que o casamento seria fortalecido, com a chegada do rebento. Aí vem o imponderável, com a evolução da gravidez de Regina, Luiz Paulo mudou o seu comportamento, demonstrando certo desequilíbrio psicológico. Alternava fases de bom humor com de tristeza. Bebia socialmente mas, passou a chegar em casa tarde, exalando forte hálito alcoólico. Segundo os estudiosos do alcoolismo, uma das reações registradas durante as pesquisas, era o ciúme patológico, em nível com a embriaguez. Eis que numa sexta feira de 1988, Luiz Paulo chegou em casa alto. Sem dizer uma palavra, sentou-se na frente da TV, pegou uma garrafa de rum e preparou uma dose dupla com coca cola. Regina, grávida de sete meses ficou assustada. Ele não costumava beber em casa e já estava quase embriagado quando chegou. Passados alguns minutos Luiz Paulo começou a olhar fixamente para a barriga de Regina já bem desenvolvida. De repente, sem mais nem menos, saiu-se com essa: Esse filho não é meu!. Como teve coragem de me trair, sua rapariga desgraçada; Você está louco Luiz, de onde tirou essa idéia absurda. Luiz Paulo transfigurado, foi até a cozinha e voltou com a faca na mão, vociferando esse filho não é meu, não é meu! Regina apavorada correu para o quarto do casal. Luiz Paulo alcançou-a e matou-a com 17 golpes de faca. Enquanto a esfaqueava gritava: rapariga, prostituta, desgraçada, etc. Os gritos apavorantes de Regina foram ouvidos pelos vizinhos que chamaram a polícia. Quando os policiais chegaram Regina estava morta no chão, de braços abertos em uma enorme poça de sangue. Luiz Paulo estava sentado num sofá aparentando uma tranqüilidade de estado de choque. Foi preso em flagrante. Ao ser interrogado, disse ter descoberto que Regina estava grávida de outro homem, ocasião em que perdeu a cabeça e matou-a durante um surto psicótico de ciúmes. O Tribunal do Júri condenou-o a 18 anos de prisão. Esse fato foi verídico. Luiz Paulo já deve estar solto a um bom tempo. Um dado que chama a atenção, é que essa espécie de crime, o outrora denominado homicídio passional agora feminicidio, é dificílimo de ser evitado. Não há prevenção para ele.Sua incidência só faz aumentar e as mulheres, martirizadas, continuarão a serem brutal e covardemente espancadas, estupradas e assassinadas. A impotência do Estado para combater esse flagelo é manifesta. Penso que nem tão cedo teremos uma solução para esse morticínio. Traficantes, assassinos de aluguel e homicidas de ocasião se prendem e processam criminalmente. São sempre condenados. Agora, os passionais, esses animais que nada sentem, a não ser a fúria assassina do ciúme, continuarão a sua saga feminicida. Penso que deve ser considerada a hipótese das mulheres se armarem para defender suas vidas. E não me venham falar em direitos humanos. Todo direito só pode ser humano. Animais não têm direitos.

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