Populistas e suas tribos

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 07/01/2019 03:00 Atualizado em: 05/01/2019 21:45

Os líderes carismáticos, segundo Vargas Llosa (La Llamada de la Tribu, 2018), fazem apelo aos instintos ancestrais do tempo em que os humanos viviam em pequenos grupos e ‘adoravam os mesmos deuses e praticavam os mesmos costumes, e odiavam o outro, o diferente, a quem podiam responsabilizar por todas as calamidades que se abatiam sobre a tribo’ (p. 22). O indivíduo desaparece, absorvido pela massa. Ganha identidade que lhes traz a sensação de transcendência e superação dos próprios limites e insatisfações. Veja-se o comportamento das crianças e adolescentes. Querem se vestir, falar e se comportar da maneira menos discrepante de sua turma. Seja a do colégio, a do bairro ou a dos primos. Trata-se de algo atávico, incorporado ao nosso DNA em longa evolução. Disso se apropriam os líderes carismáticos populistas. De todas as vertentes ideológicas. Invocam instintos recônditos em todos nós. Apelam ao senso de identidade que sentimos ao pertencer à nossa tribo. Por isso, o discurso de apelo às antíteses. À dicotomia de uma lógica primária. Ao nós contra eles. Ao ‘ter lado’.

Ocorre que, ao chegar ao poder em um país concreto e num momento histórico específico, os líderes de uma tribo se deparam com uma realidade muito mais complexa do que os apelos feitos na campanha. Agora não se trata apenas de tocar o inconsciente coletivo das massas. Para atender o mínimo das expectativas delas, os populistas precisam lidar com a complexidade da economia, da administração e da mediação política nos parlamentos. Tarefa bem mais complexa do que a de mobilizar ressentimentos e legítimas expectativas das massas.

Problemas e riscos. Primeiro, o de continuar governando como se estivessem em campanha. Na atualidade, por twitters, redes sociais e slogans, como faz Donald Trump. Que a cada dia perde popularidade apesar de conduzir uma economia em boa situação. Segundo risco, o de fazer demasiadas concessões à complexidade da governabilidade. Como foi o caso de Lula, que foi absorvido pelo establishment político e pelas grandes empreiteiras e corporações financeiras. Que manteve a retórica do apelo das campanhas, mas na prática reproduziu os antigos vícios das elites que atacava. Em alguns casos, ampliando-os, como no loteamento das estatais e do seu uso corrupto. E, assim, deixando de fazer reformas estruturais no estado e na economia sem as quais as suas promessas de emancipação dos excluídos jamais poderiam ser satisfeitas. O resultado é que depois de dois governos e meio, a experiência populista por ele liderada deixou nosso povo ainda mergulhado em péssimas condições de vida.

Em reação a esse fracasso, o povo brasileiro emitiu o primeiro sinal em julho de 2013. Sem que fosse entendido pelo establishment que a essa altura tinha engolfado o populismo de esquerda. Agora, ao eleger o populismo de direita, faz mais um aviso quase que desesperado. Por isso, milhões de brasileiros que votaram em Lula, agora votaram em Bolsonaro. Restará a todos nós, de todas as tribos, compreender esses sinais. E providenciar-lhes as complexas respostas inadiáveis. A começar pela reforma profunda do estado que favorece o rentismo, retorna péssimos serviços públicos e reproduz a desigualdade. Passando por uma política econômica que retome um crescimento sustentável capaz de superar os recorrentes voos de galinha da nossa história. E, finalmente, pela adoção de políticas eficazes para reduzir o imenso fosso que faz do Brasil uma das sociedades mais desiguais do planeta. O fio condutor para um desafio tamanho só pode ser o aprofundamento da democracia. Somente os procedimentos democráticos vão nos livrar da nossa histórica propensão aos salvadores da pátria populistas e seus apelos fáceis às nossas diversas tribos. Tribos que têm em comum a ancestralidade do instinto de atender à chamada da tribo. Mas também a insatisfação com um presente que os aliena, frustra e infelicita.

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