Meia-noite, cristãos

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 25/12/2018 03:00 Atualizado em: 25/12/2018 10:26

O título da coluna de hoje, retoma um episódio na Guerra de 14, que gerou um cântico natalino, sempre atual. Traduzido em várias línguas: Joan Baez gravou-o, no original francês, com simpático sotaque americano, claro. A história é a seguinte. Ao que se conta, o combate entre as tropas inimigas continuava, feroz, no dia 24, quando à meia-noite, um soldado francês se aproxima do  grupo alemão, dá alguns passos e improvisa música e palavras:”Minuit  chrétiens, c’est l’heure sollenelle où l’homme Dieu descendit jusquá nous.” O silêncio se fez, armas se calaram, em trégua de algumas horas, uma paz transitória se instalou. Os  combatentes comovidos obedeceram à ordem do artista improvisado: “Peuples, á genoux, écoutez la voix des anges, Noel,  Noel, un Sauveur nous est né” ( povos, ajoelhai, ouvi a voz dos anjos, Natal, Natal, um salvador nos nasceu”. Surgiram garrafas de vinho, houve abraços, choros, evidentemente, foram ouvidas canções natalinas, e ao Stille nacht, se seguiram melodias do folclore francês, irreverentes mas inocentes (uma delas diz que o Filho de Deus estava nuzinho no meio da palha e que José puxou as calças de um camponês que cantava o Magnificat). Infelizmente a guerra não parou aí, horas depois os combates recomeçaram. Neste dia em que grande parte do mundo festeja o Natal, impossível não escrever sobre essa festa, onde, sobretudo entre nós, o Menino da mangedoura é substituído por uma garrafa de champagne, como o afirmou o bispo Paulo Garcia, em culto episcopal,  na Carneiro Vilela. Natal. Católicos vão à missa, hereges se embebedam. Nunca esqueci a quantidade de pinheirinhos verdes sacrificados,  nas latas de lixo em Paris, ao lado de centenas de garrafas vazias ou meio cheias, restos de peru, de bûches de Noel (bolos imitando tronco de arvores) como não consigo esquecer, na Rosa e Silva quando voltávamos do belo culto episcopal, tarde da noite, uma mulher cercada de quatro crianças maltrapilhas empurrava uma carroça com caixas de papelão, garrafas vazias. E o grupo não poderia, evidentemente oferecer ao Deus Menino de Carlos Pena Filho, o vinho, o pão, mas talvez a velha ”fé cansada”, do poema Sinos. Natal. Na igreja presbiteriana de Copacabana, o coral cantava a tradução do White Christmas, imortalizada por Bing Crosby e que o pastor Benjamim Moraes traduzira, modificando o texto: “Eu sonho com um Natal feliz como em meus dias infantis”.Outrora tínhamos em casa um presépio de barro, de Lidia de Tracunhahem.  Os personagens todos, pastores, magos, Maria, José e o menino, não tinham mais que dez centímetros de altura. Mas o galo era enorme. Na minha leseira falei: “Lidia, esse galo está grande demais” E ela, artista, ciente de sua criação, falou com um sorriso “Mas um galo é tão bonito”. Em meio a todas essas recordações, chega uma página de Giovanni Guareschi,o autor do delicioso Don Camillo e seu rebanho. No qual, enquanto o pároco da aldeia está preparando o presépio, chega Pepone, que vem se queixar alguma coisa. E dom Camilo pede ajuda ao adversário distraído, que termina pintando o pequeno Jesus da creche. E Guareschi termina o episodio mais ou menos com estas palavras: “E foi assim que o padre e o comunista, se curvaram diante de um menino, naquele Natal.”

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