40 anos sem Corção

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 20/12/2018 03:00 Atualizado em: 19/12/2018 22:42

Como me ocorresse indicar a um amigo um livro de Gustavo Corção, lá me vi a rever seus textos e me tornar a encantar com sua prosa e sua inteligência. Injusto, injustíssimo mundo que vive exaltando mediocridades e esquece os grandes valores, os verdadeiramente grandes. Ao menos foi lançado, há pouco (descobri agora), pequeno mas sugestivo livro, Lições de Gustavo Corção, de Marta Braga, que reconstitui um pouco da biografia e da obra de Corção – é uma maneira de tentar fazer a inteligência nacional voltar a interessar-se por aquele escritor que era, bem se pode dizer, genial. Aí me dei conta de que se passaram agora (em julho último) 40 anos de sua morte. Estamos há 40 anos sem a lucidez e sem o magistério de Gustavo Corção.

Ele era simplesmente brilhante. E era profundo. E era original. Era soberbo intelectual. Não sei se, no século 20 brasileiro, outro escritor, outro pensador, outro polemista, teria havido mais completo, mais penetrante, maior do que ele.

Nem sempre teria razão, é claro. Do ponto de vista político, certa ênfase no anticomunismo, a ponto de defender o regime militar, sem ressalvas de qualquer espécie, sempre me pareceu excessiva. Do ponto de vista religioso, parecia que Corção, perto do fim da vida, estava a ponto de romper com a Igreja, a que dedicara toda a existência, o que seria uma catástrofe absoluta (Corção faleceu exatamente um mês antes de Paulo VI e portanto sem assistir ao magnífico revigoramento da Igreja a que João Paulo II procederia) – mas vejo agora, felizmente, no livrinho de Marta Braga que não foi bem assim: adoentado e praticamente cego, ele se afastara do comando direto da notável revista e do movimento que, em 1968, no auge da crise pós-conciliar, fundou, em defesa da Igreja, “Permanência”, de sorte que as edições derradeiras da revista, nos anos anteriores à sua morte, obedeciam à orientação de outro pessoal, ligado a ele, sim, mas muito mais radical, e sem a participação direta dele. Ainda bem.  

Muita coisa creio que se pode explicar pelo temperamento. Corção tinha certa aversão ao novo. Fascinado pela verdade, e pela verdade absoluta, sabia que boa parte dela já havia sido encontrada – na filosofia clássica, na revelação cristã. De temperamento ardente, sua tendência natural era desconfiar de qualquer novidade: as verdades fundamentais já não estavam assentadas? Tinha, por isso, imensa dificuldade de aceitar novidades e mudanças. Intrépido quixote, inteligentíssimo, saía a denunciá-las abertamente, com uma força intelectual que ninguém – simplesmente ninguém – ousava enfrentar, tal sua veemência, sua argúcia, sua raríssima capacidade de ir ao essencial e perceber as fragilidades das posições opostas.

Todos seus livros – uma dezena, apenas – ficarão para sempre entre os textos mais densos e mais profundos da história da inteligência brasileira. São, todos, excepcionais, mesmo o último, “O século do nada”, em que, amargo, fala mal do século passado. Pena que ainda não se tenham reunido em livros temáticos o milhar de artigos – eram dois por semana – em que debatia os problemas da realidade cultural, política e religiosa do país. Até agora houve apenas uma coletânea –  lírica, doce, encantadora –  reunindo suas páginas mais autobiográficas e menos polêmicas, organizada pela sensibilidade exemplar de Paulo Rodrigues, Conversa em sol menor.

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