O país dos medos imaginários

Vinicius Lummertz
Ministro do Turismo e ex-presidente da Embratur

Publicado em: 18/12/2018 03:00 Atualizado em: 18/12/2018 08:40

João tem 15 anos. Os pais trabalham num resort recém-inaugurado. A mãe na recepção, e o pai é garçom. Ele ainda não sabe, mas o sonho de ter sua própria pousada vai se realizar com muito esforço quando tiver 40 anos, o que permitirá criar seus filhos com mais perspectivas. José, 16 anos, é filho de desempregados e foi aliciado pelo tráfico. A família será dilacerada quando José for assassinado, antes de fazer 21 anos, numa disputa entre quadrilhas rivais. Deixará um filho sem nenhuma perspectiva.

O desenvolvimento é uma questão moral com desdobramentos inimagináveis. Ao negarem-se oportunidades às gerações atuais, prejudica-se também as futuras. No Brasil, perdemos tempo com medos imaginários, como a falsa dicotomia entre preservação ambiental e desenvolvimento. Enquanto países como Estados Unidos usam a visitação em parques nacionais para gerar emprego e renda, o Brasil mantém mais de 250 unidades fechadas ao público, mesmo crescendo em 20%, no último ano, o número de visitantes nas pouco mais de 50 que estão abertas.

No contexto dos medos imaginários, encaixa-se também a legalização de cassinos em resorts. Dos 20 países mais ricos do mundo, 93% têm jogos legalizados. Fechamos as portas a um negócio bilionário, mas deixamos o jogo do bicho atuar e os nossos turistas gerarem empregos e movimentarem a economia do exterior.

A história do Brasil é de autossabotagem. Um país que tem quase 100 milhões de passageiros de avião, mas apenas quatro companhias aéreas concentram 99% do mercado. A título de comparação, Colômbia e Argentina, com menos de 50 milhões de passageiros, têm o dobro de empresas aéreas.

Ao nos fecharmos para o mundo, não percebemos que todos os nossos medos imaginários já foram derrubados no contexto global. Os cruzeiros marítimos servem de exemplo. O Brasil, que já chegou a ter 20 navios no litoral na temporada de 2010/ 2011, hoje tem apenas sete. Burocracia, falta de infraestrutura e elevado custo explicam a retração de mais de 50% do segmento no país, enquanto no mundo ele cresceu 40%.

O turismo é o setor ideal para exorcizar fantasmas imaginários - medo de visitantes em parques, medo de barcos em marinas, medo de turistas em cidades históricas não fazem sentido. Temos todas as condições de gerar dois milhões de empregos no setor de viagens nos próximos quatro anos, se mudarmos a mentalidade. Enquanto não virarmos a chave, infelizmente, seremos o país dos Josés.

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