Há coisas boas

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 18/12/2018 03:00 Atualizado em: 18/12/2018 08:40

Nosso colega Zé Paulo fez uma retrospectiva do ano, lembrando comemorações de coisas boas... e ruins. Nesta  semana, por ter relido muitos belos poemas de Miguel Torga, tendo ouvido o Quarteto Egan tocar lindamente, músicas tradicionais de Natal. E por ter encontrado na Arte 1, dois longos documentários sobre os maestros Zubin Mehta e Daniel Baremboin, fiquei em estado de graça. Sem esquecer a apresentação do Lago dos Cisnes, com Margot Fonteyn e o mais que maravilhoso Nureiev, na inauguração de nossa sala de projeções na Academia Pernambucana de Letras, haja coração. Mas houve, sobretudo, a Nona Sinfonia de Beethoven com o Ballet de Lausanne, o Ballet de Tokio, imortal criação de Maurice Béjart, de a gente olhar de joelhos com uma prece, como na liturgia antiga: Dominum, non sum dignus. O apresentador do balé de Béjart comentou: interpretando a Nona, Béjart entendeu a mensagem de Beethoven: todos os homens são irmãos e a esperança é sempre uma vitória. O Hino à alegria, composto quando já Beethoven estava surdo, é uma celebração à fraternidade, à justiça sempre possivel,. Cenas mais que exaltadoras, a beleza dos corpos se abraçando, justo antes do Coral, no fundo da cena, entoando o texto de Schilller: “Tuas obras te coroam com um halo de esplendor, astros, anjos, céus entoam, hino eterno a ti Senhor: campos, fontes, vales montes, verde outeiro e verde mar, aves e sonoras fontes erguem coro singular.” As biografias dos maestros foram igualmente, ao seu modo, hinos à alegria, a celebração da fraternidade. Mehta assinalou: “Estamos vivendo o pior periodo da história da humanidade”. Lembrou: o que está acontecendo na Síria e Iraque é inaceitável. Urge protestar, agir, e ter esperança. Recordou a infância feliz na India , fonte de equilibrio e descoberta do amor. Baremboim recordou a Argentina natal, a presença sempre da música na familia, sua dupla nacionalidade.  Contou como fora perseguido por ter aceito um passaporte egipcio, mesmo sendo judeu. E nos ofereceu alguns de seus mais belos concertos, inclusive um duo de piano com a argentina Marta Argerich. De vez em quando a gente precisa dessas coisas boas, deses acontecimentos que assinalam que nem tudo está perdido, mesmo lembrando com Guimarães Rosa, que viver é perigoso... Assim seja...

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