Sabiás, Tchaikovsky e o indiozinho

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 05/12/2018 03:00 Atualizado em: 05/12/2018 08:59

Gonçalves Dias, distante e saudoso como Casimiro, cantou o sabiá nas palmeiras da terra formosa. Que não iria rever, todo estudante de Letras sabe que o autor de I-Juca Pirama morreu num naufrágio, antes mesmo de rever as terras cearenses. Mas não é deste sabiá que eu gostaria de falar hoje, nem daquele que Gonzaga interpela, perguntando por seu bem. É simplesmente um pássaro que fez ninho numa das colunas do terraço, aqui no Poço da Panela. Imaginem que o preguiçoso – nem tão preguiçoso, vocês vão ver,- aproveitou os restos de um  ninho antigo para alojar a futura prole. Que ele alimenta, incansável, idas e voltas o dia inteiro, bicando as goiabas, carregando o pistilo de flores vermelhas de que ignoro o nome, buscando minhocas na terra que a gente rega constantemente, pra lhe facilitar o trabalho. Neste momento o sabiá repousa, merecido descanso enquanto a pequena prole deve dormir.. Enquanto isso, na TV Cultura, Isaac Karabtchevski rege a quarta sinfonia de Tchaikovski, a orquestra Heliópolis dá gosto de ver, um bando de jovens muito jovens, rostos sérios, apaixonados, competentes.  O maestro mineiro envelheceu, como nós todos, desde o tempo em que o conheci, na Cidade Universitária de Paris, onde também havia João Candido Portinari, estudante de Física que nos dava noticias do pai, então doente. E, pasmem, Fernando Henrique Cardoso, sério e calado no café da manhã enquanto nós outros éramos ruidosos, descontraídos, bolsistas do governo francês estudando na Sorbonne, desculpem a vaidade. Após aplausos prolongados, a TV Cultura substitui o programa e nos apresenta o índio aponema ( acho que o nome é esse) Eder, aluno de agronomia da Universidade Federal do Mato Grosso, que aprende também como se preparar para gerenciar os assuntos da tribo, fala de sua cultura, que se deve preservar, do seu amor á natureza. Um hora antes, a Band nos tinha mostrado algumas misérias: os restos de um avião que destruíra uma sala de visitas e incendiara um caminhão de lixo e eu pensei:  um escritor que falasse disso num romance, seria criticado, imaginação demais. Mas voltemos ao  noticiário. A cidade de S. Paulo debaixo de temporal, as pessoas desesperadas, 14 horas de espera em Guarulhos. E logo, outra noticia: terrível seca  no Maranhão,  as pessoas carregando latas de água, os pés descalços no solo rachado. Diante de tanta noticia, entre as boas e as más, guardar as melhores, quando se vai dormir. Agora, enquanto escrevo, é noite e tudo é noite, como diria Mário de Andrade no Noturno de Belo Horizonte. Urge conservar na mente só a beleza da música e a delicadeza do sabiá, essas coisas que ajudam a gente a viver.

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