Dom Quixote, literatura e cidadania

Francisco Dacal
Administrador de Empresas

Publicado em: 03/12/2018 03:00 Atualizado em: 03/12/2018 12:44

A literatura certamente contribui para o aprimoramento da cidadania. Sendo ela uma experiência sobre a condição humana. Vários são os exemplos, entre a ficção e a realidade, como na obra-prima de Miguel de Cervantes.

Pois bem. Em determinado episódio, Sancho Pança assume o governo da ilha Baratária consciente da missão e da responsabilidade do cargo. Do amo e amigo Dom Quixote de la Mancha, para quem trabalhava como escudeiro, assimilou os bons e bem-intencionados conselhos dados, para enfrentar os novos desafios.  Como o de que ele “atentasse para o fato de que os ofícios e grandes cargos não são outra coisa senão um golfo profundo de confusões; que tivesse os olhos em quem és, procurando conhecer-te a ti mesmo, que é o mais difícil conhecimento; que prezasse mais ser humilde virtuoso do que pecador soberbo; e que procurasse descobrir a verdade entre as promessas e ofertas do rico, como por entre os soluços e importunidades do pobre”.

Para surpresa de muita gente, Sancho portou-se com equilíbrio e transparência no exercício do governo.  De imediato afirmou ao povo... “governarei esta ilha respeitando direitos e não aceitando suborno”. E alertava... “os juízes e governadores devem ser ou são de bronze para não sentir as impertinências dos demandantes, que a toda hora e a todo tempo querem que os escutem e despachem, atendendo somente a seu interesse particular. E quero que saibais, amigos, que a gente vadia e preguiçosa é na república o mesmo que os zangões nas colmeias, que comem o mel feito pelas trabalhadoras abelhas”.

Sancho procurava escutar a população. Pelas ruas fazia rondas para ver os problemas de perto, aos quais tomava medidas imediatas.

“Tem governadores por aí que não chegam à sola do meu sapato”, declarou, ao sentir que o seu trabalho estava dando resultado e sendo reconhecido.

Politicamente, Sancho foi ético, sincero, justo e trabalhador. Tinha uma consciência natural desses fundamentais atributos. Disse que vêm de berço, do clã dos Panças, sem vergonha de suas origens.    

Após certo tempo de governo renunciou ao cargo, fatigado com algumas ocorrências estranhas da política, asseverando... “sem dinheiro entrei neste governo e sem ele saio, bem ao contrário de como costumam sair os governadores de outras ilhas. Saindo nu como saio, não é necessário outro sinal para mostrar que governei como um anjo”.

Os habitantes da ilha Baratária lamentaram o fim do competente governo Sancho. Ficaram admirados pela sua coerência e conduta ilibada. Dele, despediram-se com tristeza, mesmo sabendo que, no fundo, tudo não passava de uma burla armada pelos Duques.

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