Bolsonaro: o exterminador do Mais Médicos

Humberto Costa, Líder da Oposição no Senado Federal, foi o primeiro ministro da Saúde do Governo Lula

Publicado em: 27/11/2018 03:00 Atualizado em: 27/11/2018 13:03

De todas as falácias e bravatas proferidas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, uma delas representa um golpe de morte no atendimento a mais de 30 milhões de brasileiros. Gente que habita os rincões mais distantes do Brasil e representa fatias da população situadas entre as mais carentes. Não satisfeito em ter sido eleito na esteira das fake news e de estar montando um governo que se anuncia antipopular, rancoroso e autoritário, Bolsonaro vai além. Ele quebra ao meio o Mais Médicos, um dos programas mais exitosos dentre os muitos implantados neste país pelos governos do PT.

E talvez esteja aí a razão desse desmonte. Imperdoável para Bolsonaro e para a turma que o cerca é a existência de um programa criado “pelo inimigo” e que representa a saída emergencial para uma questão delicada como é o preenchimento de vagas médicas nos confins do país. Como vem fazendo em outros setores, como a política externa, a educação, a venda do patrimônio nacional, os direitos humanos e as políticas afirmativas para as minorias, na saúde as perspectivas do que está por vir, a partir de janeiro, são as mais sombrias. A política de terra arrasada não vai poupar absolutamente nada. Isto para não falar do clima tenebroso que se abate sobre o Brasil quando o assunto é autoritarismo e ameaça real de um regime de exceção no campo dos direitos civis.

O programa Mais Médicos, aprovado por 95% dos brasileiros, sempre foi bombardeado pelo presidente eleito, desde que ele era apenas um bisonho, folclórico e improdutivo parlamentar. A sua guerra particular contra “a esquerda” não poderia poupar os médicos de Cuba, naturalmente. Há anos ele já discursava no plenário atacando as famílias desses profissionais que vinham para o Brasil ocupar vagas em lugares distantes recusadas pelos médicos locais.

É lastimável ver o discurso insano de Bolsonaro acolhido e ampliado pelos seus pares. O futuro ministro da Saúde deve ter causado inveja ao patrão com sua retórica tosca, ao definir o Mais Médicos como um “convênio entre o PT e Cuba”. Uma bobagem digna de um parvo que não sabe sequer o que significa um programa tão importante numa pasta que, sabe-se lá como, ele irá gerir. A atuação do futuro ministro da Saúde já entra, com louvor, para a seleta de patacoadas onde pontificam pérolas expelidas por seus colegas de Relações Exteriores, Economia e Ciência & Tecnologia.

Se fossem sérios na abordagem desse tipo de assunto, Bolsonaro e seus fiéis assessores estariam minimamente preocupados com o fim do Mais Médicos e suas consequências trágicas para todo o País. Eles se compadeceriam de quilombolas, ribeirinhos, índios e a população do semiárido nordestino que ficarão à míngua sem atendimento porque, em centenas de pequenos municípios brasileiros, a saúde dependia exclusivamente dos médicos cubanos. Dos 372 profissionais que atuavam em distritos indígenas, por exemplo, 301 eram de Cuba. Somente aqui em Pernambuco, a perda será de mais de 400 médicos cubanos, todos queridos e respeitados nas cidades em que atuam pelos excelentes serviços prestados e por uma razão muito simples: eles se dispuseram a ir para esses municípios.

A “alternativa” apresentada pelo governo atual diante dessa verdadeira tragédia é inútil: foi lançado um edital para a contratação de 8 mil e 500 médicos que substituiriam os profissionais expulsos pelos insensíveis boquirrotos do futuro governo. Creio que não resolverá nada, como não resolveu no passado, quando vários editais similares foram lançados sem êxito. O problema não é a vaga, mas a vontade e a disposição de ocupá-la. O que, infelizmente, nunca foi demonstrado pelos médicos brasileiros.

Quem saiu do Brasil enxotado pela fanfarronice do presidente eleito não foi um grupo de “agentes infiltrados”, como chegou a apontar Bolsonaro, numa visão que provoca reações variadas entre o riso, a pena e a preocupação. Ao resolver deixar o Brasil diante das ameaças de Bolsonaro, que rompeu um acordo internacional ao modificá-lo unilateralmente, Cuba levou daqui profissionais qualificados, com mais de 10 anos de formados, com residência em medicina geral e comunitária, dos quais mais da metade tinha especialização e 40% possuíam mestrado. Perde o Brasil, perdem os brasileiros carentes moradores de cidades longínquas e historicamente mal assistidas. Sobre todas as mazelas que decorrerão desse ato insano, Bolsonaro terá que prestar contas, um dia.

Um presidente que, antes de assumir, anuncia o fim do Ministério do Trabalho e uma política econômica que dizima os direitos trabalhistas, não pode posar de humanista ao criticar o que considera “trabalho escravo” a que estariam submetidos os médicos cubanos. Ele não sabe nada – sem novidades, até aí – a respeito do convênio firmado pela OPAS, o braço da Organização Mundial de Saúde nas Américas. O que o governo brasileiro paga nesse convênio contribui, além dos honorários médicos, para a construção de unidades, financiamento de universidades e ajuda humanitária em vários países, não apenas no Brasil. É um conceito, naturalmente, que passa invisível aos olhos de quem enxerga através de uma ideologia tacanha e sem nexo.

As atitudes de Jair Bolsonaro e de sua trôpega equipe estão abalando a credibilidade do Brasil no Exterior. Em várias áreas. A mídia internacional não para de dar manchetes desairosas em cima de um governo que nem começou e já é chacota planetária. No caso do Mais Médicos, uma nova face será mostrada: a de um país que não cumpre acordos e não honra tratados firmados. E que deixa sem assistência médica quem é pobre e mora nos lugares mais ermos do nosso extenso território nacional.

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