Escola sem ou com partido

Túlio Velho Barreto
Cientista político e pesquisador social (Fundação Joaquim Nabuco %u2013 Fundaj)

Publicado em: 26/11/2018 03:00 Atualizado em:

Ainda em campanha, o ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro (PSL), futuro comandante em chefe das Forças Armadas (FFAA), instituição que não chegou a honrar devidamente, falou à Rádio Jornal, de Barretos (SP), em que afirmou, segundo o noticiário disponível na internet, que o objetivo de seu governo é fazer “o Brasil semelhante àquele que tínhamos há 40, 50 anos atrás”. Referia-se, sobretudo, às questões de segurança pública e educação.
Do ponto de vista da segurança pública, falar em 40, 50 anos atrás nos leva de volta aos anos de 1968, 1978. Em 1968, como sabemos, tiveram início os chamados “anos de chumbo”, expressão consagrada na historiografia para designar o período mais violento e repressivo da ditadura militar (1964-1985). E que teve início com a edição do famigerado Ato Institucional Nº 5 (AI-5), varrendo quaisquer vestígios que restavam das liberdades democráticas. Portanto, no contexto do Estado Democrático de Direito, estabelecido na Constituição Federal de 1988, a declaração do ex-capitão e presidente eleito não deixa de ser preocupante e deve servir como um alerta para os que desejam a manutenção da democracia.
No que diz respeito à educação, nos concentremos nos anos de 1970. Esse período é o auge da doutrinação autoritária baseada no que preconizava a igualmente famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN). É a época em que se estudava Moral e Cívica, no então curso primário; Organização Social e Política do Brasil (OSPB), no secundário; e Estudos dos Problemas Brasileiros (EPB), nas universidades. Pura e cristalina doutrinação autoritária, segundo os ditames e interesses das FFAA, no contexto da Guerra Fria, que dividia o mundo em dois blocos: capitalista e comunista.
Quanto à educação o presidente eleito não precisará fazer muito esforço para que o país retroaja 40, 50 anos, pois o governo Michel Temer, por meio de seu ministro da Educação Mendonça Filho (DEM-PE), apoiado na equipe tucana, que, de fato, comandou o Ministério da Educação (MEC), já cumpriu tal tarefa. O estrago já foi feito. A lei draconiana que congelou os gastos com educação e saúde pelos próximos 20 anos e a lei imposta de cima a baixo que reformulou o ensino médio sem levar em consideração os debates realizados e as contribuições formuladas por amplos setores da sociedade são evidências disso. E mais: com a aberração ideológica que é o “Escola sem Partido”, além de certo segmento evangélico, atuando nessa área, as FFAA não precisarão se meter diretamente. Ou não.
Assim como a reforma implantada nos anos de 1970, a atual baseia-se na falácia de dar oportunidade de escolha aos estudantes quanto às disciplinas que irão estudar de acordo com os seus interesses de seguir uma carreira universitária ou técnica. Ora, esse foi o espírito que norteou a malfadada reforma anterior, quando foram criados os cursos profissionalizantes. Tal modelo mostrou-se um fiasco. Como se não bastasse, os responsáveis pela atual reforma não explicitam que as “opções” dos estudantes estão limitadas às decisões das redes estaduais quanto às disciplinas a serem oferecidas, o mesmo ocorrendo em relação às escolas particulares. Ainda por cima se pretende ir eliminando o professor de sala de aula fomentando a indústria dos cursos à dist& ;aci rc;ncia.
Nesse processo, ainda há o movimento “Escola sem Partido”, de perfil conservador, quando não reacionário e doutrinador na pior acepção do termo. Movimento que encontrou guarida já no início do governo Temer na gestão Mendonça Filho no MEC. Mas, como se tem observado, o aparelhamento das instituições federais, como é o caso da Fundaj pelo Democratas, o mais novo aliado incondicional do ex-capitão Bolsonaro, mostra que enquanto uns são adeptos do discurso de uma pretensa “Escola sem Partido”, outros são mesmo adeptos, na prática, é da “Escola com partido”.


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