Black Friday Bolsonaro

Paulo Rubem Santiago
Professor da UFPE e mestrando em Educação

Publicado em: 22/11/2018 03:00 Atualizado em:

Em Brasil Delivery, livro de sua autoria publicado em 2017, a economista Leda Paulani afirmou ter escolhido tal título espelhando-se em declaração de assessor do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Tal servidor, quando perguntado acerca de como ocorreriam as privatizações naquele mandato, afirmou, segundo ela: “Delivery, é isso mesmo. Eles ligam e a gente entrega”. De lá para cá, 20 anos se passaram e o termo em questão foi, digamos, rebaixado para a entrega de comida por aplicativos em celular, em especial, de pizzas. Nos últimos dias, porém, ao ver se avolumarem nos meios de comunicação as promoções imperdíveis de grandes lojas de departamentos, concessionárias de veículos e, até, bancos, todos entrando no espírito da Black Friday, não posso ver de outra forma as crescentes  notícias dando-nos conta de que governo eleito em 28 de outubro  último está formatando um novo e amplo programa de privatizações no país. Já sei, será uma autêntica Black Friday Bolsonaro. Relacionam tudo, de bancos até universidades. Não vi, porém, se aceitarão parcelar as vendas no cartão de crédito dos interessados, nem se aplicarão o apurado dessas vendas no fortalecimento do SUS, em ciência e tecnologia, na expansão dos programas de Mestrado e Doutorado nas Universidades, no semiárido, na reforma urbana, especialmente no saneamento ou na segurança. Mas será sim, uma promoção, como afirmou Paulo Guedes, o futuro super, hiper, mega, ultra ministro da Economia, para privatizar tudo e usar o apurado para abater o saldo da dívida pública. Segundo ele, com esse esforço [tão bem-comportado] o Brasil poderá praticar juros menores no futuro, que seriam aceitos pelos credores quando da rolagem dos demais títulos públicos não resgatados em suas datas de vencimento. Ou seja, é liquidação mesmo, tipo aquelas da casa de eletrodomésticos de um vizinho estado lá para as bandas do São Francisco. Além disso, se obtiver 100% de sucesso, a Black Friday Bolsonaro representará a entrega de algumas dezenas de bilhões de patrimônio para alguns poucos grupos, certamente estrangeiros. O que pode acontecer com tal desnacionalização? Primeiro a progressiva remessa de lucros às matrizes lá fora, esvaziando o tesouro nacional e gerando pressões crescentes no balanço de transações correntes e sobre nossas reservas em dólar. Em segundo lugar a também progressiva desnacionalização do uso de tecnologias e insumos produzidos no Brasil, os quais passarão a ser importados das matrizes daqueles compradores. Em terceiro lugar o risco de um progressivo abuso tarifário contra os consumidores, além de enxugamentos pesados nos quadros de pessoal e de unidades, posto que, 100% privadas, as empresas passarão a visar apenas, e exclusivamente, o lucro máximo, e não outras necessidades estratégicas do país. Por fim a perda de importantes instrumentos de política econômica, industrial e tecnológica. O pior de tudo é que a bola de neve da dívida pública, sem o desmonte do inverno permanente que a alimenta com as políticas monetárias e cambiais, em nada deixará de crescer, ainda que reduzida temporariamente com o pagamento oriundo das vendas da Black Friday Bolsonaro. Tais anúncios, portanto, se constituem numa imensa irresponsabilidade desse(des)governo que sequer começou. Enquanto a China expande suas estatais na África e no Brasil estamos prestes a liquidar as nossas mais importantes, talvez até para os próprios chineses, governados há décadas por um enorme partido comunista. Definitivamente, desnacionalizar não é o melhor caminho. Não podemos deixar que isso aconteça. 

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