A extinção do Ministério das Cidades: um equívoco técnico e político

Zeca Brandão
Arquiteto e urbanista, PhD pela Architectural Association School of London e professor associado da UFPE

Publicado em: 08/11/2018 03:00 Atualizado em: 08/11/2018 05:39

Em um artigo anterior, intitulado Eleição presidencial e consolidação de uma agenda nacional, publicado neste jornal em 04/09/2018, comentei sobre a ausência de propostas dos então candidatos à Presidência do país para a grave crise pela qual passam as metrópoles brasileiras. Afirmei na ocasião - e ratifico agora - que diante do desordenado crescimento da população urbana no Brasil, considerava fundamental a consolidação de uma política urbana nacional e, consequentemente, o fortalecimento político do aparato institucional responsável por essa agenda. Infelizmente, dentro da ampla reforma ministerial que vem sendo anunciada pelo presidente eleito, está a extinção do Ministério das Cidades.

A justificativa da dissolução do MCidades apresentada pelo novo governo foi o de despolitizar e desburocratizar o trâmite econômico-financeiro, repassando diretamente aos municípios os recursos públicos federais destinados ao enfrentamento dos problemas urbanos. Tal justificativa sugere que esse ministério tem agido apenas como intermediário no fluxo de recursos, sendo visto como um simples balcão de troca de interesses políticos entre os governos federal, estaduais e municipais.

É fato que o MCidades está longe de ser um ministério ágil e eficiente, e como todos os outros, tem sido (mal) utilizado pelos seus gestores para beneficiar prefeituras comandadas por aliados políticos. Entretanto, não é verdade que sua atuação tenha sido irrelevante. Poderíamos elencar uma extensa lista de programas concebidos e implantados por esse ministério nas áreas de saneamento básico e ambiental, habitação social e urbanização de favelas, mobilidade urbana e transporte público, entre outras, ao longo dos seus 15 anos de existência.

No artigo anterior destaquei o absurdo técnico do eventual desmonte do MCidades, agora gostaria de enfatizar o equívoco político dessa decisão. Parece que muitos gestores públicos ainda não entenderam o que ocorreu em junho de 2013, quando milhares de pessoas saíram às ruas, sem nenhuma liderança política, para protestarem contra a péssima qualidade das nossas cidades. A grande maioria dos políticos, sem ter a menor ideia de como lidar com a situação - depois de tentar sem sucesso tirar proveito dela - preferiu desconsiderar a importância dessas manifestações. Segundo eles, o movimento não passava de um grupo de jovens de classe média desprovidos de uma agenda social consistente. Uma espécie de “rebeldes sem causa”, cujo o único objetivo seria o de tumultuar o processo democrático.

Talvez aí tenha sido o início da derrocada do governo petista, que, por não perceber o peso da questão urbana na política brasileira, simplesmente ignorou o movimento. Movimento esse que nasceu e se impôs espontaneamente através das mídias sociais, sem qualquer tipo de ingerência do sistema político formal. Considerando que o governo eleito se propõe a empregar um modus operandi de fazer política semelhante a esse tipo de movimento, me parece contraditório, e até mesmo imprudente, desprezar as reivindicações da população urbana do país. Portanto, o mais sensato, técnica e politicamente falando, seria não apenas manter o MCidades, mas fortalecê-lo institucionalmente, tornando-o uma linha direta oficial com os moradores das nossas cidades, que, diga-se de passagem, representam mais de 80% da população brasileira.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.