As distorções da geração distribuída

Geoberto Espírito Santo
* Engenheiro e professor do Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal)

Publicado em: 08/11/2018 03:00 Atualizado em: 08/11/2018 05:39

Gerar energia com fontes renováveis é uma tendência mundial para a alavancagem de um novo período de crescimento, originada pelo fim da Guerra Fria e pela necessidade de ocupação do vácuo tecnológico deixado pelo freio na corrida espacial e na ampliação dos arsenais nucleares. O desenvolvimento de fontes renováveis é uma das estratégias do aquecimento global tendo a geopolítica como pano de fundo, porque para usar o sol e o vento não precisa ir além fronteiras. O marketing da energia limpa é pesado e o racional é dizer que fontes eólica e solar são energias menos sujas, limpas apenas na sua operação. Se considerarmos o ciclo completo da conservação de energia, as fontes nuclear e hidráulica produzem menos kg de CO2 equivalente/kWh.

A Geração Distribuída (GD) solar teve um grande impulso com a RN Aneel nº 482/2012 e pela RN nº 687/2015, tornando-se competitiva pela redução de 75% de seus preços em uma década e pelo forte aumento nas tarifas das distribuidoras. O regulador adotou o sistema de compensação (net metering) e temos 512 MW de potência instalada atendendo 41.235 unidades nas residências, comércio, indústria, produtores rurais e prédios públicos. Se tivéssemos investido em eficiência energética, esses projetos teriam ganhos com potência bem menores. No Brasil, GD parece ser apenas a fonte solar fotovoltaica, mas é qualquer produção de energia diretamente conectada à rede de distribuição. Podem ser fontes eólica, biomassa, PCH (pequena central hidrelétrica), CGH (central geradora hidrelétrica), gás natural, geotérmica, baterias de armazenamento e células de combustível de hidrogênio livre de carbono, devendo serem implantadas não só pelo critério do impacto ambiental, mas também pela perspectiva de propriedade, operação e quantidade de penetração.

O sucesso da GD veio antes do esperado e está causando distorções tarifárias. Na compensação atual, troca-se o kWh (quilowatt-hora) fotovoltaico (custo geração) com o kWh entregue pela concessionária (custo geração + transmissão distribuição encargos setoriais). Pela falta de aderência entre a geração fotovoltaica e a curva de carga diária do consumo desses prosumidores, eles continuarão dependentes das concessionárias, que perderão receita, mas continuarão com as mesmas responsabilidades e os mesmos custos da disponibilidade de transporte. Tarifas cada vez mais altas estimulam novas adesões dos prosumidores numa espiral da morte com perversa transferência de custos para os sem-painel, justamente aqueles que não dispõem de recursos para produzir sua própria energia.

Os encargos setoriais pesam 20% nas tarifas e nele a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), também com subsídios para solar e eólica na redução da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (Tust), da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd) e no pagamento da Energia de Reserva que são repassados para todos os consumidores. Aliás, é complicado entender porque temos que pagar reserva quando compramos garantia física nos leilões. A inserção de renováveis intermitentes no mercado consolidado da União Europeia é muito diferente do que colocá-las na expansão do mercado brasileiro. Lá, uma substituição, investimentos na geração de base e na transmissão já remunerados; aqui, uma expansão, remuneração adicional desses dois segmentos para termos energia nas 24 horas do dia.

A remuneração do uso da rede é justa, mas precisa de estudos conclusivos sobre o fator de coincidência entre as curvas de carga do sistema e de geração. O sistema de compensação é incoerente com uma GD que produz por 24 horas por dia. Uma tarifa-prêmio que permita a venda de excedentes ou uma tarifa de compra e outra de venda são soluções que chegarão com a abertura do mercado. Certamente que, para avaliar motivos e temporalidade dos subsídios, a Aneel vai também levar em conta os benefícios da GD.

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