José Paulo vai além do mote

Bartyra Soares
Membro da Academia Pernambucana de Letras
mbartyra@yahoo.com.br

Publicado em: 05/11/2018 03:00 Atualizado em: 05/11/2018 12:34

Teria sido impossível obter de José Paulo Cavalcanti Filho, na infância, a certeza de sua resposta vir certeira como uma flecha que atinge o alvo, a quem lhe fizesse a inevitável pergunta: “O que vai ser quando crescer?” A versatilidade, a inteligência e a capacidade criativa do menino espantaria qualquer pessoa. José Paulo ainda garoto e já na adolescência pensou em ser maestro, filósofo, diplomata, até se decidir pela advocacia.

Mas, ao atingir a fase adulta, ser um jurista não lhe bastou. Sua escala é ascendente nos mais variados setores da vida profissional. É acadêmico, escritor (biógrafo, contista, poeta e articulista), consultor do Banco Mundial, da UNESCO, entre outras funções públicas, tendo sido ministro da Justiça e membro da Comissão da Verdade.

Assim é ele, no bom sentido, o homem dos sete instrumentos. É um domador de ideias, de pensamentos alados, de inovações. E a colheita é farta, digna de seu nome que ultrapassa o mar e em terras lusitanas possui cadeira cativa.

Conhecedor do que Portugal teve - e tem - a oferecer no campo da cultura em todos os aspectos, não foi surpresa para os membros da Academia Pernambucana de Letras e da plateia, vê-lo a apresentar-se ao lado de Ivanildo Vilanova e Oliveira de Panelas, sendo ele o autor dos versos musicados pelos repentistas num ir e vir pelos variados gêneros da cantoria. Gênero cujas raízes encontram-se na França, fincadas na Idade Média, depois havendo ramificado para Portugal e, finalmente, mais tarde, encontrando entre nós, nordestinos, o melhor do acolhimento e da modernização de muitas formas de compor repentes, mantendo viva essa tradição secular no nosso país.

Declara José Paulo que Ariano Suassuna teve sua importância no reino da cantoria. Foi ele o responsável pelo primeiro encontro de cantadores do Brasil, em 1950, no teatro de Santa Isabel, no Recife.

A estética nos versos de José Paulo revela seu domínio das formas e fórmulas de fazer a viola e as vozes dos repentistas vibrarem em interpretações fascinantes. Ouviu-se isso na APL e ouve-se num CD, intitulado Cantorias de Pé de Parede, gravado sob a iniciativa do trio.

No CD encontram-se Segura o Remo, Parcela de Oitava, As Coisas que eu Gosto de Fazer (esta cantoria com estrofes dedicadas à sua esposa Maria Letícia), Galope à Beira-Mar / Soletrado, Comigo o Rojão é Quente, entre outras modalidades de expressão da arte musical popular, sempre priorizando temas atuais.

Na APL, sob sua “batuta”, em nenhum momento arrefeceu o entusiasmo da plateia. Seus versos se alternavam de um violeiro para o outro, com destaque para Segura o Remo, interpretado num ritmo que inexplicável ou claramente nos conduziu a relembrar a beleza dos fados ao se ouvir: “Balança o remo da canoa, meu amor! / Segura o remo pra canoa não virar / Segura o remo que o remo é quem manda a proa, / Quem nunca andou de canoa não sabe o que é remar”.

Quem não sabia remar pelo oceano das cantorias, após ouvir os versos de José Paulo, as violas e vozes de Ivanildo Vilanova e Oliveira de Panelas, ficou com a certeza de que em águas, mesmo desconhecidas, ninguém mais naufragará.


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