E a Igreja?

Plutarco Almeida
jornalista e sacerdote jesuíta

Publicado em: 31/10/2018 03:00 Atualizado em: 31/10/2018 09:03

A campanha política passou, mas deixou pelo caminho marcas profundas de intolerância e violência de todo tipo.  Como em 2014, o país rachou ao meio. Entretanto, este ano foi muito pior. A radicalização explodiu no segundo turno. Muita gente, de ambos os lados, afirmava que joio e trigo, antes misturados no Evangelho, estavam agora claramente destacados um do outro. Parece que o bem foi separado do mal e todo mundo teve que escolher. É como se o juízo final fosse antecipado e desde agora pudéssemos saber toda verdade. A verdade de quem? Ora, acontece que tanto os eleitores de Bolsonaro como os de Haddad acreditavam (e ainda acreditam, é claro) estar do lado certo, o lado do bem. Cada qual tem lá seus critérios do que acha justo e verdadeiro, ainda que possamos, evidentemente, discordar. Para os cristãos os critérios são aqueles explicitados na Palavra de Deus, mas é preciso ter cuidado também para não distorcê-la submetendo os ditos de Jesus às nossas chaves ideológicas e até oportunistas de leitura.

Neste cenário beligerante qual foi o papel da Igreja Católica? Em primeiro lugar constata-se que a Igreja vem perdendo espaço na periferia para as igrejas neopentecostais, estas sim, cada vez mais articuladas em termos políticos e também partidários. Ao mesmo tempo, os movimentos conservadores católicos desde o pontificado de João Paulo II cresceram bastante. A impressão que se tem é que os pontos mais fortes da evangelização são os devocionismos e as grandes celebrações (espetáculos?) de louvor, dirigidas pelos “padres-artistas”.

E mais: muitas congregações religiosas que antes desempenhavam um papel profético no meio do povo sofrido abandonaram as regiões empobrecidas das grandes cidades alegando falta de vocações. Inúmeras paróquias e obras na periferia foram deixadas para trás. A força da articulação comunitária adormeceu. Olhando mais para o seu próprio umbigo do que para a realidade social em que vive o nosso povo, a relevância política da Igreja diminui a cada dia.

O que vimos nessa eleição? Vimos uma CNBB apática, enfraquecida pelas divisões ideológicas dos seus membros, divisões que afloraram com força e mesmo agressividade em alguns casos. Ao invés de buscarem o diálogo sereno e respeitoso, muitos bispos, e padres, individualmente ou através de seus organismos institucionais, partiram para o ataque contra o “adversário”, inimigo que nem sequer merece nossas orações. As redes sociais substituíram os púlpitos e viraram  lavanderia!

Resta-nos agora acalmar os ânimos e pacificar corações e mentes. A tarefa que se impõe é uma avaliação profunda de tudo isso. Se a Igreja continuar se afastando do trabalho de base e esse clima de beligerância ideológica permanecer por mais tempo, nos afastaremos da missão libertadora dada por Jesus. Fora do diálogo respeitoso e construtivo não há saída. Longe do povo empobrecido, muito menos.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.