E Lázaro morreu!

Gilberto Marques
Advogado criminalista

Publicado em: 27/10/2018 03:00 Atualizado em: 29/10/2018 08:48

Levanta-te e anda... O nosso Lázaro era um jovem, alto, musculoso e carregava uma câmera da TV. Em 1984, faziam uma matéria comigo, ele e sua equipe. A filmagem longa permitia conversas paralelas. A cada intervalo Lázaro repetia: Saia dessa. O Senhor vai morrer! A repetição foi tanta que, lá no fim da reportagem, repliquei: Você vai primeiro. Pouco tempo depois, aconteceu. Era domingo uma discussão boba, por causa do estacionamento de uma moto. O morador, ele, o síndico um oficial de justiça – ânimos exaltados, cada um com suas vantagens. Ele forte, grandão, destemido. O vizinho, baixinho, mirrado, armado. Lázaro e Adão em pleno Duelo. Um único tiro foi suficiente. Lázaro tombou morto. Fiquei assustado e triste. Os dois perderam. Adão nunca mais foi o mesmo. Prevaleceu a tristeza e, por certo, o arrependimento. O porte de arma legal. E daí?

Biu da Bota! Chegou pra mim preso. Por um motivo qualquer a Lei Fleury não teve efeito. Na pronúncia foi pro beleléu. Explicados os motivos da falta, a começar pela ignorância o juiz revogou a prisão. No recurso também prevaleceu a benesse da desclassificação. Biu era o infeliz proprietário de um 38, carga dupla. A bota que calçava era 43. Liso, resolveu trocar o malfadado por um 22, de 7 tiros, cano médio. A vantagem financeira era boa. Levou o instrumento perfuro contundente, para o escambo. Na casa do outro, José perquiriu o revólver de Biu. Acertou o troco da troca e entregou o bala “U”. Da Bota pergunta: Tem munição? Não: respondeu o dono da casa. Posso testar? Pode. Acionou o gatilho uma, duas, três vezes. A arma estava em bom estado. Bateu o martelo. Negócio feito. Ao acionar mais uma vez o do sem bala saiu um pipoco e o projétil. A mulher de José aparece no meio do caminho. O tiro a atingiu entre os olhos. Tombou morta. Foi difícil desfazer o dolo eventual – apesar de óbvia a culpa strito sensu. José perdeu a mulher, Biu o sossego. Absolvido, ganhei um garboso par de botas. Meu número é 38, ironia pura. Revólveres fora.

A cobra! No meio da sala aquela bicha preta, enorme. Correu para baixo do móvel. Pedi socorro. Trouxe um pedaço de pau. Argumentei: Lita, a cobra é grande. Surge um Smith Wesson, mocho, cal. 38, 5 tiros. Isso é um revólver? Aqui se mata cobra com tiro, respondeu. Bati com o pau no móvel. A cobra saiu desesperada. Entrou no quarto, porta abaixo. Meu caçula dormia ali. Agora é guerra. Abri o trinco. Chutei a porta. A danada percebeu, se enrolou num cara a cara aterrorizante. Puxei o gatilho. O revolvinho falhou. Botei na mira. Encarei. Apertei o dedo com força. O ouvido tiniu. A cobra foi atingida. O dono do revólver chegou e disse: Não foi falha, foi medo. Você matou uma papa-ovo. Isso é bom ou é ruim? Não tem veneno. Mas, tinha 2,05 metros. E esse negócio dos ovos? Não tem nada a ver com você. Fiquei com pena da cobra. O pau resolveria tudo.  

Bené! Eu era menino, entre 8 e 9 anos, Benedito e seus dois irmão moravam perto, no Jardim Triunfo. Numa trela pegaram o rifle, Papo Amarelo, calibre 44, Winchester. A arma de guerra era do pai. Mariano gritou mãos ao alto. Coube ao rifle gritar o HORROR. Bené tombou. A dor, de todos, era indescritível. O pai, coitado, urrava no velório. A faca do mestre Moa do Katendê e o punhal de Brutus exigem deliberação, vontade, dolo. A arma de fogo, fala por si. Fecho os olhos e vejo Bené até hoje. A mãe, entre um soluço e outro lembrava a doçura do filho e lamentava baixinho: ELE NÃO!

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