"...e a intenção de madrugar"

Tiago Carneiro Lima
Sócio de Lima e Falcão Advogados

Publicado em: 24/10/2018 03:00 Atualizado em: 24/10/2018 10:11

Recife, 1987. O Brasil fervia, em meio às discussões da atual Constituição. Num evento de criação de órgão de defesa dos direitos humanos, Fernando Gonçalves, da Fundaj, falava dos anos de escuridão deixados para trás. Cabelos brancos, ar solene, rosto bondoso. Terminou citando o cancioneiro popular: “Não importa se amanhece devagar. O que é importa mesmo é manter os olhos abertos e a intenção de madrugar.”

1988. Perdemos a eleição para prefeito do Recife. Roberto Franca convocou uma reunião com um grupo de jovens advogados que liderava: “Ocupem os cargos públicos! Sejam juízes, ministério público, auditores, delegados de polícia, advogados. E mudem o Brasil!”. Um mandamento para uma vida...

Lembrei disso vendo as extremidades do Brasil se engalfinharem. Afinal, se Bolsonaro ou Haddad for o vencedor, o Brasil não acabará. Afirmar isso, ainda mais em setores intelectualizados, é uma grande irresponsabilidade.

Os bolsonaristas ressuscitaram a tese de que a esquerda acabará com os valores cristãos, que a economia será mais estatal, que seguimos o rumo da Venezuela. Do lado de Haddad, apregoa-se que a direita nos fará retornar aos tempos da ditadura militar, que entregará ao capital estrangeiro as riquezas do país, que perseguirá os gays.

Alguém acredita que Sérgio Cabral, Palocci e Lula são de esquerda? Que Eduardo Cunha e Geddel Viana são de direita? Abraham Lincoln era liberal de direita. Ho Chi Minh, de esquerda. Nasceram pobres, mudaram a história dos próprios países, morreram honrados e fiéis aos próprios ideais.

Privatizar, ou retomar obras paradas? Aumentar a eficiência do estado, ou pagar um décimo terceiro no “bolsa família”? Casamento gay, ou família tradicional? Aborto legal, ou a infame vala de mulheres mortas nos abortos clandestinos? Essa polarização política é boa. Estamos discutindo as nossas vidas e o futuro do país. E fazia tempo que isso não acontecia.

Elegeremos o novo chefe do Poder Executivo. Ele terá que tirar o país da recessão e colocar a economia brasileira em trilhos seguros. Os temas de suma importância, e os de menor repercussão, devem ser debatidos na sociedade civil e no parlamento. O viés político do novo presidente pode influenciar o parlamento nessas discussões? Claro que sim. Por isso, nosso papel é fiscalizar, debater, lutar contra, lutar a favor.

Como eu votarei? De um lado, um candidato messiânico, que faz dos dedos uma arma. Um homem aparentemente sem preparo para o cargo, a empunhar bandeiras que misturam um estado laico com religião. Do outro, um representante da quadrilha que assaltou o Brasil e que se juntou à escória política para manter-se no poder, a qualquer custo, a qualquer preço.

Votarei nulo. E não é neutralidade. É “ação pela omissão”. Protesto a essa polarização que discute gênero e invoca “Deus”, mas não fala de reforma agrária e dos bancos estatais explorando idosos com juros de 3,5% ao mês.  

Sou do ramo do Direito. Cristão, farrista, a favor do aborto, do casamento LGBT. O legislador deve buscar no fato social o sentido das leis. Se você não pensa assim, compre uma casa de espelhos e viva dentro dela.

2019. Bolsonaro ou Haddad, um deles será o “meu” presidente. Pretendo respeitar a democracia e honrar a dignidade do cargo de presidente da República. Daí discordar de quem, levianamente, propaga que a vitória de um ou de outro será o fim do Brasil. Já atravessamos fases mais obscuras. E sempre é hora de “manter os olhos abertos e a intenção de madrugar”.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.