Sobre a prisão em períodos eleitorais

Moacir Veloso
Advogado
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Publicado em: 22/10/2018 03:00 Atualizado em: 22/10/2018 09:36

Carlos Henrique é um criminoso profissional. Pratica assaltos à mão armada regularmente e já cumpriu pena durante quatro anos condenado por roubo. Como só sabe fazer isso, certa vez, abordou uma jovem e apontando-lhe uma arma, exigiu-lhe o celular; esta negou-se a entregar; Carlos não pensou duas vezes: desfechou-lhe um tiro no peito, pegou o celular e evadiu-se. A jovem veio a falecer. Alguns dias após o crime, Carlos foi identificado e preso. Confessou o latrocínio e, a pedido do delegado, teve a prisão temporária decretada por trinta dias. Nesse meio tempo, entre a prisão e a decretação da custódia cautelar, vieram as eleições. Para a sorte do criminoso, o mandado de prisão cautelar só chegou às mãos da autoridade policial dentro do prazo de sete dias previsto no artigo 236 do Código Eleitoral: Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto. Isto significa que a prisão de Carlos Henrique tornou-se ilegal, não restando alternativa à autoridade policial senão liberá-lo.

Por mais absurda que seja essa situação, por força do malsinado artigo 236 da Lei Eleitoral, essa prisão temporária não poderá ser executada até quarenta e oito horas após a eleição. O criminoso-eleitor deverá ser libertado, com grande probabilidade de evadir-se. A única providência possível será o seu indiciamento no Inquérito Policial. Conclusão: prejuízo e descrédito para a Justiça Criminal em face da exótica inadmissibilidade do cumprimento da ordem judicial. Isso significa que Carlos Henrique latrocida, militante e convicto, mesmo depois de praticar mais uma de suas barbaridades poderá transitar livremente durante uma semana, tempo mais do que suficiente para organizar a sua fuga. Esse teratológico dispositivo processual foi editado em 1965, em pleno Regime Militar, faz soar estranha essa proteção ao direito ao sufrágio por delinquentes, que permanece em vigor até hoje, representando uma injusta garantia de voto a criminosos. Como se vê, é mais importante para o Estado deixar em liberdade um facínora, em prejuízo da segurança pública do que privar a democracia desses votos de criminosos. Penso que a democracia pode prescindir desses votos, como existem os denominados votos uteis, esse, é que podemos de voto inútil, por força da provável inconsciência política do eleitor-criminoso. As origens históricas desse vetusto dispositivo legal remontam ao coronelismo dos anos 30. O código eleitoral de 1932, no seu artigo 28, já proibia desde os 5 dias anteriores até 24 horas após o encerramento do pleito “... prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito”. Concluindo, tenho que faz-se necessário, o mais depressa possível, que algum parlamentar federal elabore um projeto de lei revogando essa legislação anacrônica, substituindo-a por outra adaptada a realidade política contemporânea. * Advogado

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