Editorial Atitude covarde

Publicado em: 18/10/2018 03:00 Atualizado em: 18/10/2018 08:30

O jornalismo é, cada vez mais, atividade de alto risco. O jornalista Jamal Khashoggi, colunista do Washington Post, foi visto pela última vez, em 2 de outubro, quando entrava no consulado da Arábia Saudita em Istambul, e de lá não saiu. Na terça-feira, soube-se que foi morto, esquartejado e queimado. As apurações ainda não foram concluídas, mas diversos países e o Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) para os direitos Humanos, cobram a elucidação do caso. O secretário de Justiça dos Estados Unidos, Jeff Sessions, defendeu o trabalho da imprensa: “O mundo será reduzido se os jornalistas não forem capazes de viajar e reportar, em condições honestas, em diferentes países”.

Khashoggi era persona non grata para o governo do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que assumiu o comando do país em junho do ano passado. O jornalista era um crítico ao regime autoritário da Arábia Saudita. O trabalho de Khashoggi incomodava as autoridades. Apesar de todas as suspeitas convergirem para Salman, ontem o presidente do Estados Unidos, Donald Trump, avaliou como prematura a onda de acusações a Riad. Para ele, o jornalista pode ter sido morto por pessoas que agiram po conta própria, sem o aval do governo saudita. A reação do presidente norte-americano não pode ser dissociada do grande acordo que fechou, no início de março, com o governo saudita para a compra de petróleo e venda de armas, refirmando a aliança que há entre os dois países desde o fim da Segunda Grande Guerra.

Na Arábia Saudita, não há meios de comunicação livres. Partidos políticos, sindicatos e organizações de defesa dos direitos humanos independentes não são tolerados. Segundo a organização não governamental Repórteres sem Fronteiras, naquele país a censura é rigorosa e a internet é o único espaço onde a informação circula livremente, “para risco e perigo dos jornalistas-cidadãos”.

Embora o número de jornalistas mortos no mundo tenha diminuído entre 2016 e 2017 — caiu de 62 para 50 —, a insegurança dos profissionais ainda é grande, sobretudo, quando interesses políticos, econômicos e de organizações criminosas são atingidos pelas reportagens. Nos últimos 14 anos (a partir de 2003), 1.035 repórteres foram mortos. A violência, própria dos regimes autoritários, contamina também os espaços democráticos. O Brasil bem ilustra essa dicotomia. Somente neste ano, com a elevação da temperatura devido às eleições gerais, 137 jornalistas foram vítimas de agressões — ataques virtuais, violência física e atentados por arma de fogo, segundo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)

O caso de Khashoggi exige mais que uma apuração rigorosa, por investigadores internacionais, para que os assassinos sejam identificados e punidos. A impunidade, assegurada principalmente nos regimes autoritários, não pode prevalecer. Torturar e executar pessoas por divergências ideológicas ou por quaisquer outros motivos são ações incompatíveis com os valores civilizatórios do século 21, sobretudo quando alguém está no pleno exercício da atividade profissional. Trata-se de covardia inominável, merecedora de repúdio mundial.

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