Pós-verdade e neofascismo

Luciana Grassano Melo
Professora de Direito da UFPE

Publicado em: 17/10/2018 03:00 Atualizado em: 17/10/2018 08:41

Roger Waters, em recente show no Brasil,  fez bem em associar o #Elenão à denúncia de que o neo-fascismo está crescendo no mundo: nos EUA – Trump; na Hungria – Orbän; na França – Le Pen (...); no Brasil – Bolsonaro.  E ele foi vaiado e aplaudido por isso.

O que ele quis dizer é que Bolsonaro não é causa, mas sintoma de uma patologia global a que se dá o nome de pós-verdade, e que encontrou nas campanhas pelo Brexit e pela eleição do Trump o auge de sua ressonância no mundo.

E o crescimento do neofascismo no mundo vem associado ao que se convencionou chamar, em especial a partir de 2016, da era da “pós-verdade”, que anuncia uma onda de populismo ameaçador em que a prática da política passou a ser um jogo de soma zero, isto é, para algumas pessoas ganharem outras têm necessariamente de perder, ao invés de uma disputa entre ideias.

É nesse contexto global que se verifica o desmoronamento do valor da verdade, porque para se derrubar o adversário/inimigo não se debate ideias, mas se dissemina mentiras e falsidades. De acordo com o site PolitiFact, que checa informações e é ganhador do Prêmio Pulitzer, 69% das declarações de Trump são “predominantemente falsas”, “falsas” ou “mentirosas”. No Reino Unido, o Brexit venceu com slogans que eram comprovadamente não verdadeiros ou enganosos, mas, por outro lado, comprovadamente ressonantes.

Em 2016, o Oxford Dictionaries escolheu a palavra “pós-verdade” como sua palavra do ano, definindo-a para associá-la a “circunstâncias em que os fatos objetivos são menos influentes em formar a opinião pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal”. Ou seja, o que importa não é a veracidade dos fatos, mas o impacto causado pela história narrada. Nas palavras de Matthew D´Ancona é “o triunfo do visceral sobre o racional, do enganosamente simples sobre o honestamente complexo”. E o autor sintetiza: “O que acontece de novo agora não é a desonestidade dos políticos, mas a resposta do público em relação a isso: a indignação dá lugar à indiferença e, por fim, à conivência”.

E essas mentiras são contadas com o objetivo de gerar confusão popular, ou seja, são um ataque coordenado e estratégico que tem como plano esconder a verdade, confundir o público e criar controvérsia onde essa não existia, justamente para afastar o debate de ideias e consagrar o abate do adversário/inimigo.

É claro que essas campanhas difamatórias e mentirosas encontram um prato cheio na tecnologia, que foi um motor muito importante e indispensável da pós-verdade. A web, as redes sociais e, mais especificamente no caso brasileiro, os grupos de WhatsApp consagram hoje o modo mais rápido e mais poderoso de espalhar uma mentira ou “fake news”.

Li, recentemente, na revista Forum uma matéria em que se noticiava que do exterior, dois ativistas comandam a disseminação de fake news em grupos de WhatsApp pró Bolsonaro: “De Portugal e dos EUA, eles administram ao menos 50 grupos que atingem cerca de 10 mil pessoas no Brasil;  daí elas replicam e acaba viralizando na rede de WhatsApp”.

E a conspiração e negação são parte dessa dinâmica da pós-verdade, em que inclusive fatos incontestáveis são negados, até porque a força popular atribuída à conspiração não depende da evidência, mas do sentimento. Vejam que presenciamos uma negação à evidência histórica da ditadura que, inclusive para o presidente do STF, imbuído no espírito da pós-verdade, passou a denominá-la de “movimento”.

Outra teoria da conspiração que no caso brasileiro tem impulsionado a pós-verdade é a de que o PT é comunista, e que se vencer as eleições instaurará aqui uma Venezuela, o que nega a evidência histórica da prática de um partido que governou  o país por 13 anos, sem que jamais tenha implementado tal política entre nós, muito pelo contrário.

Concluo este artigo, revisitando Orwell que, em comentários esclarecedores a respeito do significado de sua obra 1984, afirmou: “A moral a ser tirada dessa perigosa situação de pesadelo é simples: Não deixe acontecer. Depende de você.”

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