O manacá e dois sábios europeus

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 16/10/2018 03:00 Atualizado em: 16/10/2018 08:48

Faz mais de um ano que está plantado em um grande vaso no jardim. Era uma plantinha miúda, presente de um amigo, cuidado com carinho (não o amigo, entenda-se, mas o presente). Consulta ao Google, conselhos seguidos, a plantinha cresceu, tornou-se um pequeno arbusto. Durante meses, não houve um dia em que sua dona não o visitasse, aguardando o surgimento de um botão, regando, adubando, sem mais resposta que o silêncio e a permanência do verde nas folhas. E eis que esta semana o manacá atendeu ao apelo da dona e da primavera: um pequeno botão lilás anunciou outros, mas, como a rosa do pequeno príncipe, a flor não tinha pressa de se preparar a ser bela. E agora uns trinta botões se cumpriram em flores, brancas, roxas, azuis, lilás, às vezes a mesma cor em uma só flor. E com um perfume suave, doce. Puro espanto, pura alegria. Em Pernambuco, quando aqui esteve Mauricio de Nassau, dois cientistas, um alemão, um holandês, em pesquisas no Sertão, a mando do príncipe, depararam-se, entre outras maravilhas, com pés de manacá. Floridos.  Os dois sábios deixaram extraordinários documentos sobre nossa fauna e flora, publicados na Europa sob forma de livro, em 1648: História Natural do Brasil. Willem Piso e George Marcgraf eram homens de ciência, naturalistas, mas, marcados pelo Renascentismo, eram sensíveis a “tudo que fosse humano”. Desse modo, eles se extasiam ante a beleza, cor, e forma das árvores, das plantas, das flores. Comentam o fato de as árvores não perderem as folhas, como na Europa, mas permanecerem ao longo do ano, vestidas de vários modos, “com os quais a natureza brinca na orla da terra”. O manacá é uma fonte de surpresa: como uma mesma planta pode produzir, ao mesmo tempo, flores “purpúreas, cerúleas e brancas” e com “um aroma agradável”? E mais, um perfume que lembra as festejadas e efêmeras “violetas de março”, anunciantes da primavera em suas terras. Dessa viagem ao interior, atentos a nossa vegetação, e ao que poderia servir ao uso medicinal na produção de remédios desconhecidos na Europa - como deve ter sido uma das preocupações de Nassau ao patrocinar a vinda dos dois cientistas ao Brasil-  uma lição é enviada aos leitores. Posto que, interessando-se a tudo o que é humano, como homens de seu tempo, - e de formação religiosa, -  eles concluem: vivendo numa região tão rica, fértil, bela, generosa, “merecidamente se deveriam considerar bem-aventurados os seus habitantes, se conhecessem o verdadeiro Criador de todo esse cabedal, ao contrário, em regiões assim ubérrimas e luminosas, são de espírito tão oposto e pervertido”. Nota: meu pé de manacá continua florido, lição da beleza que nos é oferecida de graça, como sempre acontece com as coisas belas. E inspira poetas: “Eu panho toda frô do pé de manacá e faço uma coroa para te enfeitar. Cê quer?”


Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.