O teatro cor-de-rosa

Antonieta Barbosa
Advogada, pernambucana e autora do livro Câncer %u2013 Direito e Cidadania.

Publicado em: 11/10/2018 03:00 Atualizado em: 11/10/2018 08:27

A história do Outubro Rosa surgiu por volta de 1990 quando o laço cor-de-rosa foi lançado por uma instituição nos Estados Unidos e distribuído aos participantes da primeira Corrida pela Cura, realizada em Nova York.

Neste mês dedicado à conscientização das mulheres sobre a importância dos exames que detectam o câncer de mama, é oportuno atentar para a retórica que permeia as nossas leis e a incoerência do discurso da maioria dos nossos legisladores.

Com cerca de 14.500 mortes previstas para 2018, é um paradoxo falar em cor-de-rosa, sabendo-se que a imensa maioria da população feminina convive com estatísticas nada animadoras sem acesso adequado aos exames preventivos, sobretudo nas áreas mais carentes.

Nada parece cor-de-rosa para uma mulher do interior, quando chega aos centros de tratamento de alta complexidade, com a doença em estágio avançado e com poucas chances de cura. E muito menos para as que sequer têm acesso aos serviços de saúde, ou para aquelas que descobrem nos mutirões de mamografia que têm um tumor e não conseguem tratamento.

Mesmo diante de uma legislação que garante a assistência integral à saúde da mulher, aprovada com a Lei nº 11.664, em vigor desde abril de 2009, incluindo informação, prevenção, detecção, tratamento, controle e seguimento pós-tratamento do câncer de mama, as perspectivas têm sido desalentadoras e não é difícil imaginar a aflição de descobrir um câncer cujas células se multiplicam descontroladamente a cada minuto sem conseguir atendimento tempestivo.  

Nada tem de cor-de-rosa o choque de realidade ao ver no espelho a silhueta mutilada porque não se conseguiu vencer a burocracia para realizar a cirurgia de reconstrução mamária, igualmente garantida por lei. Só quem passa por essas situações consegue imaginar o trauma psicológico que se segue a uma mutilação radical, que afeta o órgão símbolo da feminilidade e da maternidade.

Diante das estatísticas alarmantes, nem as mulheres mais privilegiadas, com formação, informação, plano de saúde e outros confortos, acessíveis a menos de 10% da população, podem desfrutar de uma realidade cor-de-rosa. Na verdade são sombrias as perspectivas diante da falácia dos discursos que está por trás da aprovação de leis que sabidamente não serão cumpridas, aprovadas sob pressão da sociedade e que já fazem parte do nosso habitual teatro do absurdo uma vez que, paralelamente, se estabelecem entraves burocráticos, tornando-as inaplicáveis e, portanto, inócuas.

Neste mês quando as noites se tornam cor-de-rosa e quando estamos prestes a ir às urnas, é fundamental lembrar que o brilho dos monumentos e o jogo de palavras não são suficientes para mudar a realidade daquelas que são acometidas pelo câncer de mama em todo o país. É preciso cobrar o que já está posto e exigir que o atendimento seja de fato prestado a quem necessita.

Que as luzes do Outubro Rosa possam iluminar os nossos futuros governantes, transformando essa celebração em ações concretas destinadas a evitar a morte de milhares de mulheres, que, vítimas do abandono institucional, dos desvios de verbas públicas e da falta de vontade política, tornaram-se órfãs de cidadania.

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