O incêndio das notícias falsas

Publicado em: 10/10/2018 03:00 Atualizado em:

Quando o TSE divulgou a criação do comitê de combate às fake news, critiquei no Diario (edição de 14/05/2018) a fala do ministro Luiz Fux. Citei estudos sobre grupos de WhatsApp como vetores importantes de disseminação de notícias falsas (Monitor do Debate Político no Meio Digital – USP) e um artigo científico de Gabriela Zago e Ana Lúcia Migoswki sobre o hábito de compartilhamento de notícias apenas pela chamada, sem que os usuários leiam a matéria.
As evidências do que seria a campanha presidencial no Brasil eram, portanto, bastante conhecidas. O impacto dos aplicativos e sites de redes sociais nessas eleições foi prenunciado. Nos últimos meses, foram dezenas de matérias publicadas em TV, impressos e internet sobre fake news. O esforço parece não ter sido suficiente.
Se o Twitter e o Facebook ainda permitem uma análise de dados relativamente consistente, tivemos a prova que a opacidade e indisponibilidade de relatórios do WhatsApp foi a brecha por onde as fake news passaram. A disseminação é facilitada porque na era da pós-verdade os fatos perderam o terreno para as crenças pessoais. Como estabelecer a verdade nesse ambiente, no qual não é possível enxergar as redes, saber quais são as mentiras contadas nem medir o tamanho da repercussão?
Alguns rounds já foram perdidos e a disputa para que as fake news não engulam a sociedade precisa ser encarada. Quando o TSE falou em identificar a origem e os responsáveis por notícias falsas, fiz a observação de que mais importante era que se tratasse a questão como um esforço conjunto para conscientizar e envolver a população nesse combate.
Não foi esse o caminho escolhido pela Justiça Eleitoral e uma das maiores fake news das eleições, ao que parece, foi o combate enérgico às fake news. A consequência imediata é uma desconfiança ainda maior dos cidadãos nas instituições e um aumento acentuado da desinformação, uma vez que as pessoas não têm percebido o impacto negativo em assimilar e repassar notícias sem apuração, sem fontes e sem base nos fatos.
O governo e suas instituições precisam inaugurar esse caminho de diálogo com os cidadãos e o próprio jornalismo também precisa se mover nesse cenário. As armas utilizadas para fake news podem ser entendidas e ressignificadas para a verdade. Se robôs, algoritmos e técnicas de aumento de alcance e engajamento fazem parte do arsenal das mentiras, por que não poderiam ser utilizados no caminho inverso?
Não é mais adequado falarmos sobre o risco das fake news. Até porque já tem sido possível sentir os efeitos nocivos desse fenômeno. É preciso mobilização e ação para apagar esse incêndio.

* Especialista em mídias sociais e ciência política. É mestre em Indústrias Criativas (Unicap) e doutorando em Ciências da Comunicação (UBI-Portugal).

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.