Uma francesa em Pernambuco

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 09/10/2018 03:00 Atualizado em:

Aurore nunca esteve no Recife, mas foi a mulher mais presente entre nós, no século 19, como aconteceu, na Itália, na Inglaterra, na Rússia (Dostoievski escreveu belo artigo por ocasião de sua morte). As primeiras edições de seus romances, entre eles Indiana, Consuelo, Lelia, Jeanne, La comtesse de Rudolstad, Mademoiselle de la Quininie, Nanon (todos personagens femininos, notaram?) foram lidas pelos estudantes de nossa Faculdade de Direito (ainda estarão na Biblioteca?) logo que eram editados. Nos originais, claro! Igualmente, obras relativas à vida no campo, com personagens sofridos, camponeses ligados à terra, laboriosos, fiéis aos costumes, à linguagem da região, testemunhas do interesse da autora pelo passado do país, como o fez José de Alencar. Ela se chamava Amantine Lucile Aurore Dupin, Baronesa de Dudevant. Adotou o pseudônimo de George Sand, atravessou praticamente todo o século 19, abordou temas em questão na época: o exercício de uma profissão, para mulheres, a questão do divórcio, o casamento por amor, o trabalho remunerado, a liberdade do indivíduo na sociedade. Participou de lutas políticas, embora de origem nobre, interessada pelo socialismo, pelas ideias de Taine, Tocqueville, Proudhon, Barbès. Atenta à evolução da literatura, escreveu peças de teatro marcadas pelo Romantismo, pelo Realismo. Entre as amizades: Balzac, Flaubert, Delacroix, Pauline Viardot (cantora lírica e compositora), Franz Liszt. Entre os amantes, o poeta Alfred de Musset e Chopin, que ela recebia no seu castelo de Nohant, no centro da França. Sua ligação com Chopin, por quase dez anos, inspirou ao compositor alguns de seus mais belos prelúdios e noturnos. Em Pernambuco, Castro Alves, aluno dos Cursos Jurídicos, escreveu poemas inspirados em obras de Sand, nos quais concede a palavra a personagens como Consuelo, Stello, à própria Sand. Nosso grande jornalista Antônio Pedro de Figueiredo, cronista do Diario de Pernambuco, publicou em sua revista O Progresso parte de uma peça teatral de Sand. Joaquim Nabuco visitou-a em Nohant, D. Pedro II confessou ser seu admirador. Por ocasião de sua morte, Victor Hugo, impossibilitado de comparecer ao velório na pequena capela de Nohant, mandou discurso: “Eu choro uma morta, eu saúdo uma imortal’’. Todos os anos, no verão, o jornal Le Monde publica revista homenageando franceses importantes, comemorando alguma data relativa a sua obra. Este ano, Margarida Cantarelli me trouxe de Paris George Sand, l’Insoumise, com artigos de Simone de Beauvoir, Michèle Perrot, Françoise Sagan, Flaubert. No Brasil se reeditou Minha vida. Há uns anos, perdoem a menção pessoal e comovida, esta que vos escreve esteve, por dois dias, no castelo de Nohant, hoje Monumento Nacional. No grande salão, a mesa posta, os nomes dos convidados diante de cada prato. Num canto, a sombrinha da dona. Nos fundos do corredor, o quarto e o piano de Chopin. No jardim, o mesmo tipo de flores que Sand plantava, cuidava. E o túmulo, com o corpo que o governo tentou transferir para o Panthéon, sob protesto dos admiradores da grande mulher. Inútil dizer que dessa visita à Nohant à releitura de suas obras, resultou a biografia que intitulei Aurora e Chopin, a impossível Valsa do Adeus. Por enquanto inédita.

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