O antibrasileiro

Luiz Otavio Cavalcanti
Ex-secretário de Planejamento e Urbanismo da Prefeitura do Recife, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco e ex-secretário de Planejamento de Pernambuco.

Publicado em: 04/10/2018 03:00 Atualizado em: 04/10/2018 08:22

Quem é o brasileiro?

Sérgio Buarque de Hollanda fala no homem cordial. Cordial do latim cor, cordis. Coração. Mas não no sentido corrente de cordialidade. E, sim, no sentido de paixão. O brasileiro é um apaixonado. Por tudo que faz.

Gilberto Freyre fala na metarraça. Fruto da miscigenação de índios, portugueses e africanos. Que produziram um tipo étnico único. Flexível, mediador.

Darcy Ribeiro fala no homem ameríndio. Que vai buscar nas raízes antropológicas o senso do ser. E do construir. Sempre a partir de valores humanísticos.

Raymundo Faoro descobre o brasileiro estamental. Inserido na burocracia do Estado. Agente e beneficiário do patrimonialismo. Primo do tráfico de influência. E da corrupção.

Na visão organizacional, leia O Estilo Brasileiro de Administrar. Da pesquisadora Betânia Tanure. Ela compõe um painel psicossocial do gestor brasileiro médio. E o compara culturalmente a gestores de outros países. Exemplo: o gestor alemão acentua um modo de atuar baseado no rigor da lógica, do planejamento. Da certificação de qualidade. O gestor francês ressalta uma maneira cartesiana de trabalhar. Baseada no manual. Quase burocraticamente. Com menor produtividade que coreanos e japoneses. Estes, são obsessivos com a hierarquia. Com a cadeia de comando. Capazes de suicídio se entrarem no refeitório errado.

E o gestor brasileiro? Segundo a autora, ele é criativo, mediador, improvisador, flexível. Não gosta de planejar. Prefere ficar em cima do muro nas disputas internas. Mas tem notável senso de apaziguamento no ambiente organizacional. Tal talento para patrocinar a paz é feita de humor. O gestor brasileiro brinca, faz piada. E, assim, descontrai o formalismo do clima corporativo. Essa é uma das razões pela qual o gestor brasileiro se distingue nas corporações multinacionais.      

Na política, o estilo do brasileiro é fundamentado no diálogo. Na negociação. Na busca da solução intermediária. Que incorpora. Para comprometer as partes. Penso em dois exemplos históricos: o primeiro, foi a Emenda Parlamentarista, em 1961, formulada por Tancredo Neves. Jânio Quadros renuncia e os militares impedem a posse do vice-presidente constitucional, João Goulart. Para superar o impasse, Tancredo propõe a emenda que introduz o Parlamentarismo no Brasil. Os militares concordam.  Jango assume. Mas com um primeiro ministro ao lado. Que termina sumindo. Em plebiscito.

O segundo exemplo histórico também envolve Tancredo. Eleito presidente, Tancredo baixa ao Hospital de Base, em Brasília. Na véspera da posse. Cria-se a perplexidade institucional. Quem assume? Ulysses Guimarães, presidente da Câmara? Ou José Sarney, vice presidente eleito ainda não empossado? O senso brasileiro de compor, lastreado na legalidade constitucional, prevalece. Na convergente opinião do futuro Ministro da Guerra, Leônidas Pires Gonçalves. E do ainda Ministro Chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu. Sarney é empossado.  

Esse é o perfil do brasileiro. Reconhecido nos estudos de sociólogos e antropólogos. Desenhado nas pesquisas de psicólogos e estudiosos de organizações. Testado nas crises políticas.

Agora, me diga: o que tal perfil tem a ver com as motivações que apoiam o discurso de Jair Bolsonaro? Suas teses são antibrasileiras. São pela confrontação e não pela composição. São pela subtração e não pela integração. São pela apologia da ruptura e não pela estabilidade democrática. São pela afronta ao feminino e não pelo respeito ao gênero. São por uma visão unilateral, autoritária, e não pelo acolhimento a valores coletivos. De diversidade étnica, de acatamento às minorias.

O país elegeu, até hoje, brasileiros de diferentes perfis: o sorriso democrático de Juscelino; o discreto minuano de Jango; o invencível patrimonialismo de Sarney; o charme academicamente burguês de Fernando Henrique; a sedução narcísica de Lula. Todos brasileiramente viáveis. Nos acertos. E nos erros. Apenas dois não cumpriram tal estatuto de brasilidade. Por isso, não chegaram a bom termo. Não queiramos um terceiro.

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