30 anos da Constituição

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 02/10/2018 03:00 Atualizado em: 02/10/2018 08:34

Já vai com 30 anos a Constituição de 1988, que Ulysses Guimarães apelidou (meio demagogicamente) de “Constituição cidadã”. Pode ser que o país não se dê conta do que isso significa. Trinta anos... Uma geração, ou pouco mais. Já é bem mais tempo do que o período normal, democrático, da Constituição de 1946 – a que tantas vezes nos reportamos, como exemplar. Pois a normalidade democrática de 1946 durou apenas 18 anos... Até que veio 1964 e o presidente constitucional foi deposto. Já estamos, desde a Constituição de 1988, com 7 mandatos presidenciais, constituindo, o que vai ser eleito agora, o 8º mandato sob o regime da atual  Constituição. Enquanto entre 1946 e 1964 tivemos apenas 4 mandatos presidenciais: Dutra, Getúlio, Juscelino e Jânio...

O maior período de normalidade constitucional republicana no Brasil foi o da Constituição de 1891 – que durou 39 anos, até ser destruída pela Revolução de 1930. O que significa que falta pouco, menos de uma década, para a Constituição de 1988 atingir esse recorde.

Basta isso para mostrar a qualidade da Constituição de 1988, apesar das numerosas deficiências que ela apresenta – defeitos, omissões e até contradições. O fato é que ela propiciou, ou vem propiciando, ao Brasil experiência democrática longeva (para os nossos padrões). E isso não é pouca coisa. Não a abalaram ou debilitaram acontecimentos inéditos na história brasileira, raríssimos na história do mundo: não um só mas dois impeachments presidenciais: o de Fernando Collor e o de Dilma Roussef.

A que se deve seu sucesso? Não creio que derive diretamente da extraordinária participação popular quando de sua elaboração, participação absolutamente sem igual na história constitucional brasileira, notável, magnífica, inesquecível. Muito menos, da alteração da ordem tradicional (e correta), resolvendo ela tratar em primeiro lugar não da organização do poder (que é o tema absolutamente nuclear de qualquer Constituição) mas dos direitos do cidadão, como se essa inversão tivesse particular significação constitucional. Também não creio que seu sucesso se deva diretamente aos muitos méritos que (ao lado dos defeitos) ela inegavelmente possui, as inovações importantes que fez (criação do Superior Tribunal de Justiça, distinção de papéis do Ministério Público, com a criação da Advocacia Geral da União, ampliação da legitimidade para propor o controle direto de constitucionalidade, etc).

Creio que, em última análise, seu mérito decorre do fato de haver correspondido à vocação democrática e republicana brasileira – que é a síntese de nossa história, vocação eventualmente interrompida por crises e intervenções esporádicas, que logo a alma nacional procura recompor e restaurar. Ela se insere, assim, aperfeiçoando-a em muitos pontos, na grande tradição constitucional que vem de 1891 e passa pelas Constituições de 1934, 1946 e mesmo (e apesar de tudo) 1967. É a retomada da tradição das liberdades públicas e da cidadania. Do Estado de Direito. Da primazia e da unidade da ordem constitucional. Da clara reafirmação da república e do presidencialismo – as opções que a Constituição de 1988 fez e maciçamente foram reafirmadas pelo povo inteiro, no plebiscito de 1993.

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