No Sertão há mais que a seca

Luzilá Gonçalves Ferreira
Membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 02/10/2018 03:00 Atualizado em:

O filme causa um impacto desde as primeiras cenas: uma feira livre e as cores fortes, a variedade de frutas, legumes, gêneros de todo tipo, fazem duvidar que aquilo é no Sertão, nós acostumados a estereótipos: seca, miséria, árvores calcinadas, cactáceas, terra rachada. Acontece que Petronio de Lorena, diretor do filme, sertanejo de Serra Talhada, cineasta formado no Rio de Janeiro e detentor de vários prêmios nacionais, ama a região do Pajeú, e quis repartir com o Brasil, a beleza da produção poética da gente do lugar: que tem poesia no sangue, na alma, escreve há gerações, como quem respira, cantadores, violeiros, repentistas, declamadores, improvisando a partir de um tema, um mote. Quem é pernambucano não ignora: há muito tempo: em pleno sertão, na região do Pajeú, em S José do Egito, em povoados ao redor, a poesia é linguagem habitual, conforme escreveu um desses poetas, Rogaciano Leite :“Sou da terra onde as almas/ São todas de cantadores/ Sou do Pajeú das Flores? Tenho razão de cantar”. Como José Lulu: “Em S. José todo dia /poeta aqui sempre tem/poeta que vem de fora/ e o que S. José já tem/ por isso é que a poesia/ daqui nunca fica além”. Nomes como Lourival Batista, Antônio Marinho, Severino Pinto de Monteiro, José Gomes Sobrinho, brilharam no passado e seus nomes chegam até hoje. Petrônio de Lorena e o poeta Jorge Filó, filho do poeta Manoel Filó, responsáveis pelo roteiro, durante anos pesquisaram, fizeram entrevistas, gravações, para este longa metragem feito pra encantar desde o título: O silêncio da noite é que tem sido/ testemunha de minhas amarguras. Assim mesmo. De um poema de Severina Branca, personagem do filme, pequena, magrinha, idosa, que outrora levava o que se chamava vida fácil, mas hoje diferente, risonha, e que aparece ao lado de outros poetas, improvisando e cantando juntos, a partir de lembranças ou de fatos atuais, glosando a política, as belezas “do queijo assado na brasa/ da manteiga feita em casa”. Ou o tempo que passa: “Entre o homem e o tempo/ as pancadas são desiguais/ o homem traz e não leva/ o tempo leva e não traz”, A projeção do belo filme aconteceu semana passada, o auditório da Academia Pernambucana de Letras repleto, no Projeto Roda de Conversas, criado pelo acadêmico Cícero Belmar, apoiado pela presidente Margarida Cantarelli, que intenta dilatar a ação da APL também entre jovens, “nem todos interessados apenas no que é passageiro e descartável”, como assinala Belmar. Os frequentadores do Roda de Conversas, nestes últimos meses, foram também acadêmicos como Rostand Paraíso, especialista em histórias em quadrinhos, José Mario Rodrigues, Ana Maria César, José Luiz Mota Menezes, Arthur Carvalho, a própria presidente, esta colunista. Discutiu-se Literatura Fantástica, com André de Sena, revistas alternativas como a Vaca Tussa, com Thiago Corrêa, processo de criação literária com o poeta Miró e Sidney Niceas, contista, autor de Noite em Clara (professor, acompanhado por seus alunos da rede). Participaram, igualmente, quadrinistas e desenhistas como João LIn, Eron Viana ( que ilustrou A Noiva da revolução). Algumas questões discutidas: Há machismo no mundo geek? Há mulheres quadrinistas no Recife? Existe Literatura Fantástica em Pernambuco? E sábado passado, o grupo Flores Literárias, composto por escritoras interessadas em literatura discutiu Umbelina e sua grande rival, romance de Cicero Belmar. Nota: a projeção do filme, no auditório da APL, inaugurou a série de seções de cinema que acontecerão nos próximos meses.

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